Laboratório
Eu não quero ser um experimento.
Eu não quero fazer nenhum experimento.
Viver é um laboratório?
Colocaram um chip em mim, é isso?
Agora estou eu aqui, mergulhando fundo na solidão
porque implementaram esse software antes de eu nascer e eu nem pedi.
E o peso no meu ombro me impede de dizer
que eu não pedi nem pra nascer...
E eu nem pedi por esse peso.
Onde é que está
aquele balão mágico que me leva para um lugar mais leve
onde está
a criança perdida nesse caminho de tantas jornadas?
Onde está
a criança perdida nessa vida de responsabilidade
Eu nunca pedi
para matarem essa parte de mim antes de eu nascer.
E esse chip
E essa ferida
E essa marca de nascença
E essa cicatriz
E esse corpo ferrado - que um dia eu tentei implodir
E essa mente agitada
E esse saco de emoções onde eu tentei guardar o mar
E essa vontade que eu não sei explicar de desistir e partir pra longe
E onde está essa vontade que me acompanha há muito tempo
de largar tudo e fugir?
Ela fugiu e eu não sei como existir sem ela.
E onde está a minha raiva?
Ela foi embora de raiva.
E agora eu não sei nem como me defender.
Essas explicações que te dão
para você racionalizar sobre a sua dor e o que passou
são muito cruéis quando você caiu enquanto criança.
Não deveríamos fazer isso com crianças mas aí
eles inventam que tivemos vidas passadas e isso é tudo um retorno
e tudo isso para não enxergarmos nossa própria crueldade.
Eu penso que talvez qualquer justificativa é só uma fuga
e esse planeta é uma arena de bichos famintos, com sangue nos olhos
cheios de comida ao redor mas cegos demais para ver
caminhos melhores do que destroçar o outro para se alimentar - e finalmente eu me rendo
à hostilidade que imprimiram em meus olhos desde que nasci, e de novo eu me pergunto
onde puseram a criança que havia em mim?
Sou eu faminta como um bicho, sangue nos olhos
sou eu, rendida a essa arena e esse óculos em meus olhos
eu, sem saber lutar, buscando sobreviver enquanto me cercam
e por dentro terrivelmente cansada desse laboratório cruel.