Ode ao amor

O contrato social do casamento não me apetece. A escravidão do amor à assinatura que forma uma nova sociedade, pronta para trazer lucro e bens, não me agrada. Gosto do tesão de chegar e partir. Gosto do tesão do amor que não sufoca. Das pernas amanhecidas que se entrelaçam. Pernas que andam, pulam, sobem escadas, ladeira​s, correm da repressão, tremem com o gozo. Do gosto do beijo na boca que traz resquícios da cerveja da noite passada. Boca que declama versos, que chupa, que lambe, canta, fala, grita rebeldia; não se cala. Bocas que se procuram. Da mão inquieta que tateia com carinho, que habita e desfruta do que pode um corpo. Mão que escreve poesia, sente a textura, o toque, que aperta os pontos de tensão, que alivia, que relaxa; mãos que não se soltam. Braços que se abraçam, e apertam, e que dados, formam corrente de proteção. Olhos que se olham, e que se olhando, brilham, porque encontram mutuamente o esperanssar da luta contra o opressor. O cuidado mútuo da manhã com chá da erva recém colhida na horta, e do pão quentinho. Do caminhar junto que repara nas flores das sacadas da cidade cinza. A cumplicidade do choro, da risada, da utopia. De fundo, o som ligado com um bom instrumental que embala os afazeres diários. As reboladas de bunda ao lavar a louça. O almoço carinhoso do arroz e feijão fresquinho. O banho demorado, regado de apertos e beijos molhados, costas esfregadas, cabelos massageados, abraços que fazem o encontro da boca com a nuca. Do companheirismo que permite a solidão, o estar só, o ser único, inteiro, intenso, se refazendo para novos rasgos de alma. Ode ao simples. Ode ao amor camarada. Ode ao amor que aviva. Ode ao amor que me tira para dançar e me alegra logo cedo. Ode ao amor que me faz livre para amar quem eu tiver de amar. Porque do amor eu quero tudo e quero todo. Quero e desejo, aqueles que querem e desejam sentir em sua mais potência. O amor é o que me inspira, por isso venço os temores.