Os marginalizados da noite

Na intentona do barulho ensurdecedor da madrugada, o arrepio proveniente de uma fria brisa enche os olhos de lágrimas e o estômago de ácido. Contudo, no frescor do pensamento lúcido, a neve que insiste em não cair é decorrente do devaneio apaixonado dos cegos. Cegos de coração gelado que não querem perceber que a madrugada é dos marginalizados. É daqueles seres invisíveis que encontram alento no anonimato da escuridão e dos becos estreitos. De Pena a Afonso, no Horizonte Belo, os excluídos da noite enfrentam muito mais que arrepio e muito além que beijos ácidos. O desamor manifestado no prazer é uma espada de dois gumes que transpassa o âmago do sentimento.

A neve já é transformada em fumaça de frenéticas combustões de carros que insistem em encostar-se às calçadas cheias de necessidades. Os olhos de lágrimas deixam de ser belo som da madrugada e passam a ser o tormento do silêncio massacrador, mas tão aguardado do fim do expediente trazido pelo amanhecer. Retorna, com ele, a invisibilidade social, que te tira tudo, mas não te leva nada.