O ORGULHO DO VERME
Um dos traços característicos do ser humano é a razão. Todo o seu critério em escolhas e decisões depende desse seu atributo essencial.
A civilização não tem como fundamento o instinto, nem a História em seus momentos mais negros pode ser reduzida a um inventário de emoções instáveis ou concessões ao capricho de iluminados. A consciência de si mesmo enquanto ser, a auto-consciência, também, é uma das faculdades pelas quais podemos afirmar com algum grau de segurança que somos melhores que pinguins.
Alguns de nós, ao menos.
Pois bem, é particularmente triste e degradante, portanto, para alguém que se orgulha de tão refinados recursos, o comprometimento, em maior ou menor grau, de sua capacidade de julgar em conformidade com a realidade.
O que se vê, em relação à soltura do condenado ilustre, por uma deliberação do STF, é uma lamentável celebração dos asseclas do criminoso em questão, sintomática de um ressentimento que já dá indícios de ser incurável. Pois a liberdade do condenado não decorre da suposição de inocência, mas da alteração da aplicação da lei, por uma simples questão de novo entendimento de ministros que deliberam a respeito do tema. Então, na prática, temos de um lado todo o acachapante histórico de crimes do condenado -- histórico que continua crescendo, diga-se... -- e, de outro lado, o novo entendimento dos senhores ministros, algo suscetível de influências tão diversas quanto uma trepada ruim, da ministra Sicrana, ou as hemorróidas do ministro Beltrano.
Razão é, em certa perspectiva, relação de proporções.
Não perceber que a alegria pela soltura do condenado está baseada em algo tão circunstancial é a própria falência da propriedade que define a nossa humanidade. Apegar-se a tal júbilo degenerado talvez seja, já, o próprio desespero. Agora, ter orgulho dessa indigência toda aponta para algo ainda mais grave e monstruoso, e eu não me sinto à vontade para nomear a coisa pela qual o espírito de tanta gente bem intencionada, não duvido, incorre na demência deliberada, sem retorno, cabal.
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