Se tudo fosse diferente
Se tudo fosse diferente. Se eu fosse diferente. Eu seria feliz? Se minha vida fosse outra. Se a vida que vivo hoje fosse um sonho. Se eu pudesse começar de novo. Eu saberia o que fazer para me fazer feliz? Eu quero ser feliz? E se a felicidade for um aborrecimento sem fim? E se o que desejo para mim é sofrimento, dor e angústia? E se eu dissesse que boa parte do que aprendi até hoje, aprendi por conta da minha tristeza? E se eu dissesse que é a minha natural melancolia que me faz sentir orgulho de mim mesmo, que faz com que eu me destaque da vala comum? E se eu afirmasse que a minha tristeza é necessária, assim como a minha solidão? E se eu não soubesse viver de outra maneira?
Sorrisos gratuitos são sempre fáceis de se fabricar. Neste teatrinho que chamamos de vida, e nessa bosta que chamamos de sociedade, estamos sempre ofertando estes sorrisos àqueles que preferiríamos matar à marretadas. Não é uma maldição que sejamos seres obrigatoriamente sociais? Poderíamos ser como os lobos ou os ursos polares, vagando solitários e livres de compromissos eternos com o outro. Uma vida autocentrada e deliciosamente egoísta.
Ainda assim, humano que sou, por mais que não queira, sinto a necessidade de braços à minha volta. E toda minha revolta talvez proceda de não tê-los, de nunca tê-los tido. A diferença da qual me vanglorio é também a fonte dos meus infortúnios. Sempre a mesma irreversível ambigüidade. Sempre aquele que não se contenta em ser um só. Sempre aquele que procura o caminho mais complexo.
Suicídio nem é mais uma opção, não acredito que um dia tenha realmente sido. A desesperança e a falta de perspectivas não merecem mais lugar entre minhas preocupações. A adolescência se foi, e deixou várias questões não resolvidas. É uma pena (ou uma sorte) que estas questões não tenham mais o mínimo de importância. Muito me foi privado, muito me foi roubado e muito foi perdido. Muitas são as feridas que nunca vão ter a chance de cicatrizar. Serão, no máximo, esquecidas. Como algo que se põe em uma gaveta e que depois some da memória. Um dia abrimos a gaveta e olhamos para o objeto: ele traz lembranças, sem dúvida, mas não significa mais quase nada do que um dia significou. O tempo cura a dor ao nos dar novas dores, mais fortes e mais pungentes, que fazem com que esqueçamos as anteriores.
Dormir. Sonhar com as pessoas que nunca tive e nunca terei. Que não me conhecem e não sabem o que sinto. Que me acham simples e comum. Que me olham com olhos crédulos. Que jamais saberão nada sobre mim. Que são sempre mais queridas do que julgam ser. Meu lado humano aflora mais uma vez, e soterra o filha da puta egoísta que também sou. Sonhar. Eu daria o meu coração e a minha alma por um sonho eterno. Mas eu não posso. Qual a sensação do sonho? Não saberia dizer. Sei apenas que lá o chão pode ser de rodelas de abacaxi e o céu amarelo-ouro. Posso ter dez metros de altura e posso ser um lince na Sibéria. “Posso”. Tão diferente do “devo” do nosso mundinho real, não?
Chega desta merda.