JÜRGEN HABERMAS, TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO E A EDUCAÇÃO.
Pedro André Pires de Almeida
Resumo:
Este artigo tem como principal objetivo apresentar a concepção de educação segundo o filosofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas , tendo por base a teoria do agir comunicativo que trará a possibilidade de um conceito critico acerca da própria educação que nos leve à refletir mais precisamente acerca da Teoria do Agir Comunicativo e a Educação. Com base na teoria de Habermas, o conhecimento não se apresenta mais como algo pronto e acabado, mas revela-se apoiado nas relações intersubjetivas que por sua vez estão fundamentadas no discurso argumentativo, na comunicação, linguagem e consenso. O conceito de agir comunicativo de Habermas então, grosso modo, refere-se à interação de pelo menos dois ou mais sujeitos capazes de falar e agir que estabelecem uma relação interpessoal, seja por meios verbais, seja por meios extra verbais. Habermas visualiza na racionalidade comunicativa um modo de coordenação dessas interações capaz de preservar a condição de autonomia dos sujeitos na configuração de sua vida coletiva.
Neste sentido, este trabalho tem por intenção buscar na teoria do agir comunicativo, subsídios para fundamentar o conceito de educação em Habermas e orientar ao ensino de filosofia, que tenha por eixo uma interação dialógica.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Agir comunicativo. Filosofia. Ensino. Autonomia.
Abstract:
This article aims to present the conception of education according to the German philosopher and sociologist Jürgen Habermas, based on the theory of communicative acting that will bring the possibility of a critical concept about education itself that leads us to reflect more precisely on Theory. Communicative Action and Education. Based on Habermas's theory, knowledge is no longer presented as ready and finished, but is supported by intersubjective relations that are based on argumentative discourse, communication, language and consensus. Habermas's concept of communicative acting thus roughly refers to the interaction of at least two or more subjects capable of speaking and acting who establish an interpersonal relationship, either by verbal or extraverbal means. Habermas sees in communicative rationality a mode of coordination of these interactions capable of preserving the autonomy condition of the subjects in the configuration of their collective life.
In this sense, this work intends to seek in the theory of communicative acting, subsidies to support the concept of education in Habermas and to guide the teaching of philosophy, whose axis is a dialogic interaction.
KEYWORDS: Education. Communicative action. Philosophy. Teaching. Autonomy.
1. INTRODUÇÃO
Jürgen Habermas nasceu em 18 de junho de 1929, foi um filósofo e sociólogo alemão, integrante da segunda geração da Escola de Frankfurt , fundada em 1923. Desenvolveu estudos acerca da democracia e da esfera pública na modernidade, sendo influenciador de vários campos do conhecimento. No ponto de vista de Goergen (2005), Habermas realizou inúmeras criticas as teses da Escola de Frankfurt e dedicou-se a desenvolver um projeto teórico, em que lança os fundamentos de uma nova compreensão da razão, a compreensão do ser humano e da sociedade. Nesse sentido, presença junto à escola de Frankfurt é tida por muitos estudiosos como controversa. A grande preocupação de Habermas seria então, resgatar a capacidade da razão frente aos pessimismos de seus antecessores e mestres, e, também do movimento “pós-modernista” . Considerada a sua principal obra, Teoria da Ação Comunicativa (1981) tem o objetivo de tornar a filosofia como uma nova teoria da racionalidade e demonstrar que ela pode servir de base para a teoria crítica da sociedade.
Sua teoria que foi bem desenvolvida e de extrema importância ao mundo democrático e educacional é denominada Teoria do Agir Comunicativo (TAC), e se fundamenta no conceito de ação e na interação que acontece entre sujeitos abertos a utilização da linguagem e ação permitindo o afloramento de novos entendimentos e conhecimentos, refutando a perspectiva de uma comunicação unilateral, na qual prevaleça o poder de um sobre outro. Habermas busca o desenvolvimento de uma teoria da racionalidade que se baseia no diálogo, possibilitando a libertação dos sujeitos e capacitando-os para uma emancipação, e, ao recolocar na ordem do dia a teoria da emancipação, o pensador contribui para que teorias educacionais pautadas no diálogo sejam reforçadas enquanto possuem um potencial transformador. Para Habermas (2012), a ação comunicativa é fruto da interação que acontece entre sujeitos que se abrem à utilização da linguagem e ação permitindo o afloramento de novos entendimentos e conhecimentos, refutando a perspectiva de uma comunicação unilateral, na qual prevaleça o poder de um sobre outro.
A teoria desenvolvida propõe um modelo ideal de interação, no qual as pessoas interagem por meio da linguagem e se organizam socialmente. Por meio deste comunicativo, as pessoas podem buscar o consenso de forma livre, sem coações, sem mordaças e imposições. Neste sentido, a idéia de uma racionalidade comunicativa resgatada por meio da interação social deixa explicito que Habermas defende a TAC como uma possibilidade de transformar a sociedade contemporânea. Um ponto a se destacar é que o agir comunicativo está atrelado ao chamado mundo da vida, o que por conseqüência não estaria inserido no mundo do sistema, posto que no primeiro ocorrem as comunicações livre, sem coerções ou distorções, logo, a linguagem se apresenta enquanto construtora de conhecimentos e no entendimento acerca da realidade, isto é, a ação comunicativa é potencializada para o dialogo, para a compreensão dos membros entre si. Este novo conceito elaborado por Habermas deve ser compreendido a partir da virada linguístico-pragmática que substitui a relação sujeito-objeto pela relação sujeito-sujeito. Isto significa que não temos nenhum acesso privilegiado fora da linguagem, isto é, o ser humano vive na linguagem e não pode sair dela. No mundo da vida, os indivíduos atuam linguística e intersubjetivamente, partilhando seu aprendizado e desenvolvendo suas competências interativas (competências cognitivas, linguísticas e de ação, ou prático-morais) na relação com sujeitos socializados comunicativamente, na relação consigo mesmos, na relação com os objetos da natureza externa, e no contato com as próprias emissões linguísticas.
Esta nomenclatura Mundo da Vida foi criada por Husserl e fez parte de seu argumento sobre o afastamento das ciências modernas no que se refere ao horizonte cotidiano de experiência e de sentido os indivíduos comuns, o termo “mundo da vida” (Lebenswelt) também foi depois incorporado por Heidegger ao projeto de Ser e Tempo, e, utilizado em determinadas ocasiões por Sartre e Gadamer e acabou tornando-se uma categoria central da sociologia fenomenológica de Schultz. Já em Habermas, o termo ganha novas conotações e é uma das marcas do seu diagnóstico acerca da modernidade. Já o mundo do sistema é a razão instrumental que o norteia, e a linguagem é utilizada apenas como instrumento que transmite informações. Neste, por imperar a racionalidade instrumental, as ações estratégicas estão voltadas para a consecução de objetivos, em grande parte definidos pelos sistemas econômicos e administrativos. Logo, a relações entre os sujeitos são reguladas pelo dinheiro e pelo poder, com relações instrumentalizadas. Sendo a razão o principal recurso, senão o único de quê a humanidade dispõe para resolver seus conflitos, para Habermas fica entendido que ela (razão) não somente é orientada por interesses instrumentais, mas também por práticas emancipatórias. A inclusão abstrata dos indivíduos em processos pedagógicos formais, que não levam em conta os indivíduos concretos, suas vivências e necessidades, seu mundo da vida, limita a interação dos indivíduos e dificulta a ação pedagógica do professor. Sob a orientação dos princípios sistêmicos, a socialização escolar transforma-se em um mosaico de atos administrativos e burocráticos que, geralmente, acabam se tornando inconseqüentes e ineficazes. Desta forma, a racionalidade comunicativa se apresenta como alternativa crítica a chamada razão instrumental, posto que na razão comunicativa se encontram expressões gramaticais que tornará possível o conhecimento por atos de fala. No paradigma da comunicação proposto por Habermas, o sujeito “não é mais definido exclusivamente como sendo aquele que se relaciona com objetos para conhecê-los ou para agir através deles e dominá-los” (SIEBENEICHLER, 1989, p.42). Mas como aquele que, durante seu processo de desenvolvimento histórico, é obrigado a interagir entender-se com outros sujeitos. Através desse processo será viável o desenvolvimento de uma ética de responsabilidade social, que tragam embasamento as ações que visem o bem coletivo, ou seja, a geração de possibilidades de vida a todos, incluindo as gerações futuras.
2. A Educação
A mais negativa influencia da racionalidade sistêmica sobre a educação pode ser verificada nas conseqüências de sua transformação em mercadoria, e, se tornando mercadoria ou meio de competitividade dentro do processo capitalista sua valorização passa a ser feita, principalmente por critérios de lucratividade e eficiência, perdendo a sua conotação e significação de valor social. Neste sentido, a educação passa a ter seu valor atrelado aos anseios de crescimento econômico e social, ficando para segundo plano a sua validade enquanto recurso de qualificação subjetiva e de formação de uma visão social e política.
Somos cientes de que a teoria de Habermas não foi especificamente elaborada para compreender a educação, porém, apresenta valiosas contribuições nesse campo. A educação é um grande desafio do pensamento habermasiano para hoje, o compreender do processo educativo como a formação simultânea do indivíduo como um indivíduo insubstituível, com sua identidade pessoal e projeto da vida, também possuidor de uma identidade cultural, como um cidadão e participante político de um determinado grupo social. Ressalta-se que Habermas inicialmente compreendeu a educação no viés iluminista, sobretudo Kantiano, contudo, reformulou seus conceitos de educação ao ter contato com as concepções de Adorno, em que para ele, o educar é desbarbarizar e fazer o ser humano compreender que ele é um sujeito histórico social e livre de medos. Sem medo e sem pavor da própria vida. Desta forma, para Habermas o educar é emancipar, e emancipar é fazer com que o ator social possa agir livre de amarras, condicionamento ou patrulhamento, seja político, religioso ou cultura. O sujeito educado é um sujeito esclarecido, mas além de esclarecido ele é um sujeito livre e autônomo. Visto que a relação entre professor e aluno, sendo baseada numa razão comunicativa, a qual valoriza a interação entre sujeitos mediada pela linguagem e pela capacidade argumentativa, e conseqüentemente favorece o entendimento mútuo, o afloramento de novos conhecimentos e a emancipação humana.
A contemporaneidade traz a exigência da formação de indivíduos cada vez mais aptos a interagirem com este contexto, e neste ambiente é que se situam a escola, as universidades e, mais precisamente, a figura docente, pois é através da ação do professor que a educação é mediada. Sem dúvidas a interlocução dos saberes do professor se dá pela constante ação e interação comunicativa docente, pela ação dos seus saberes e interação com os outros saberes, no caso, dos seus pares, dos seus alunos e, com isso, torna-se possível ressignificar o saber anterior de ambas as partes, pelo consenso através de uma racionalidade comunicativo-reflexiva.
A educação atual necessita basear-se na ação comunicativa, de tal modo que nos permita participar mais ativamente e de forma mais critica e reflexiva na sociedade.
“Os elementos conceituais do agir comunicativo podem ser examinados detalhadamente e acrescidos de novas dimensões capazes de tipificar melhor o caráter formativo da ação pedagógica”. (PAVIANI ,2008,p.35)
Se, pretendo e pretendemos superar a desigualdade que gera a exclusão de pessoas que não tem acesso ao universo cultural global, devemos então pensar sobre que tipos de habilidades estão sendo potencializadas nos contextos formativos. Acredito que isso é possível numa perspectiva critico e emancipatória que busca coordenar as ações não por meio de imposições, mas através do consenso, que por sua vez é fruto de um processo dialógico. É perceptível também que para Habermas, a razão humana não está dada, nem porta uma essência pré-definida. Antes, ela é processual, constitui-se de forma intersubjetiva, na discursividade dos sujeitos que buscam, cada qual com sua pretensão de validez, um acordo sobre uma verdade também não previamente dada, mas consensualmente edificada. Nesse paradigma da intersubjetividade, a linguagem se configura no meio pelo qual essa razão comunicativa se constitui.
“A aprendizagem da razão comunicativa no âmbito escolar passa necessariamente pelo desenvolvimento de competências interativas instauradas a partir do diálogo, da comunicação, da crítica, da reflexão, do discurso, da prática pedagógica, do dialogo interdisciplinar, da administração e da participação, entre outras.” (BOLZAN,2002.p.34)
O Fazer e Ensinar filosofia não estão delimitados a um padrão ou a formulas prontas, são ações dinâmicas e modos coerentes ao contexto que se realizam. Neste sentido, a filosofia no ensino médio possui o papel de no mínimo despertar no aluno um olhar novo para o mundo, ela naturalmente gera indagações por permitir que o próprio ser se indague e também compreenda o outro, isto é, por meio da linguagem ocorre abertura à alteridade, ao esclarecimento, amadurecimento e ao dialogo. Para Habermas é preciso instaurar “uma razão comunicativa que reconstrua a educação escolar como um processo interativo com vistas ao amadurecimento da humanidade” (PRESTES, 1997, p.105) no sentido da autonomia. A escola é um local de comunicação, a relação dialógica entre professor e aluno e, alunos entre si em sala de aula, gera abertura para o contato com a alteridade e ao mesmo tempo de formação da identidade do discente, logo, a ação comunicativa ao ser desenvolvida de forma sistemática, coincide com os objetivos de uma educação que tem por meta a formação de indivíduos críticos e participativos. Para tanto, o educador procurará desenvolver no educando a capacidade argumentativa, organizando discursos livres, nos quais seja possível problematizar a fala cotidiana e participar da construção de conceitos e consensos.
A Aprendizagem Dialógica prioriza as interações com maior presença de diálogos, entre pessoas o mais diversas possível, buscando o entendimento de todos e valorizando as intervenções em função da validade dos argumentos. Difere das interações de poder, nas quais predominam relações de poder e o peso da estrutura social desigual. (AUBERT et al., 2008; SEARLE & SOLER, 2004, p. 119).
Conselhos de classe, colegiado escolar, reuniões com coordenações pedagógicas e comunidade escolar, todos esses âmbitos são intermediados pela linguagem, pela comunicação entre docentes, discente e demais envolvida, logo, aprendizagem, nessa teoria, será concebida como a resolução de problemas e conflitos, bem como a articulação de um projeto de vida pessoal.
“Habermas diria que a escola deveria ser efetivamente um espaço público de acesso ao saber, capaz de interagir comunicativamente com os diversos setores que compõem a estrutura de uma sociedade” (BOLZAN, 2005, p. 60).
Convém ressaltar que é no ambiente escolar que o ser humano pode desenvolver estruturas de pensamento que o tornam sujeito de sua história, possibilitando sua atuação no mundo de forma crítica e reflexiva. É exatamente o caráter formativo da escola que faz dela um lugar privilegiado da constituição de seres autônomos, singulares e ao mesmo tempo cooperativos. E para isto, a escola necessita ser o espaço efetivo para ações dialógicas e não para amordaçar. Nesta lógica, os diálogos se realizarão em torno dos conteúdos da aprendizagem e da vida, no compartilhar de palavras onde o consenso ajudará a recriar continuamente o sentido global da vida. Em Habermas, percebemos que ele não há um foco total no processo pedagógico, mas nas estruturas educativas onde ocorre este processo pedagógico, ele foca nos atores (discentes e docentes), pois são eles que fazem as estruturas educativas. É na prática cotidiana da comunicação, na busca do entendimento sem coação, que se configura o processo de libertação da humanidade, pois esta continua a depender da inteligibilidade e da decisão coletiva baseada em argumentos racionais.
Acerca do ensino, sabemos que a filosofia não se limita em discussões temáticas e/ou históricas que se esvaziam ao sair da sala de aula, seu objetivo é que os alunos sejam capazes de andar sozinhos tal como uma criança aprende a andar sem o apoio dos pais, atingindo a “emancipação intelectual”, esse andar “sem auxílio”, significa também a atitude de assumir sua autonomia, sua singularidade. Este é um movimento involuntário e demasiadamente humano, que só é possível para aqueles que se permitem serem atingidos.
“O ensino de filosofia pode ser tomado em uma perspectiva ativa, que tenha por meta a emancipação intelectual daqueles que aprendem, a produção de singularidades, ainda que não seja possível controlar isso” (GALLO,2012a, p. 48).
Durante a aula ler os escritos filosóficos, onde um problema é formulado e toda uma argumentação é efetivada para lhe buscar solução, não é o mesmo obviamente do que apenas ouvir falar sobre os filósofos e sobre as idéias e assuntos que eles abordaram: o texto permite ao leitor pensar com o filósofo, e o docente ao acompanhá-lo na construção fundamentação conceitual. Claro está que tal leitura deve ser feita em salas de aula do nível médio de maneira estratégica, ponderada, e que a leitura dos clássicos não é o foco único das aulas nesse nível de ensino. A disposição de um trabalho com o texto filosófico não quer significar fazer das aulas de filosofia aulas de leitura de texto. A ministração da aula pode ser tanto com a leitura de textos quanto como na utilização de imagens ou versos de algum poema, o importante neste sentido, é a participação ativa dos alunos através da fala (comunicação), exposição de idéias, suas opiniões e conhecimentos acerta do assunto em voga, isto irá proporcionar um ambiente de dialogo e democracia, onde os atores estarão abertos a opiniões e idéias diversas acerca de um mesmo tema trabalhado. Este método de ministração de aula torna o aluno como um ser ativo através da participação em sala de aula juntamente com os demais colegas em exposição de idéias e consenso na troca de argumentos.
4. REFERÊNCIAS
AUBERT, A., Flecha, A., García, C., Flecha, R., & Racionero, S. (2008). Aprendizaje dialógico en la sociedad de la información . Barcelona: Hipatia.
GALLO, Silvio. Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirua, 2012a.
GONÇALVES, M. A. S. Teoria da ação comunicativa de Habermas: possibilidades de uma ação educativa de cunho interdisciplinar na escola. Educ. Soc., Campinas, v. 20, n. 66, abr. 1999.
HABERMAS, J. Teoria do Agir Comunicativo. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
PRESTES, Nadja Hermann. Educação e racionalidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.
SEARLE, J., & SOLER, M. (2004). Lenguaje y ciencias sociales. Diálogo entre John Searle y CREA. Barcelona: El Roure Ciencia