Preconceito, fanatismo e hierarquia de identidade

Uma fila de fãs de uma cantora americana excêntrica se estende do portão do estádio, onde ocorrerá o show, até 3 quarteirões. A repórter chega ao primeiro da fila que guarda seu lugar há duas noites. Está munido de pôsteres, fotos e um cartaz colorido com dizeres em inglês, um trecho de música de sua diva que transformou em declaração. Pra surpresa de ninguém, o fã é gay, como tantos por aí. Fã é um diminutivo de fanático. A maioria dos admiradores obsessivos por celebridades é inofensiva. Admiram o trabalho e/ou projetam anseios pessoais ao indivíduo ou grupo em questão. Mas ainda continuam sendo fanáticos. Seus cérebros se auto-modularam a repelir qualquer informação factual que faça de seus deuses ou deusas, gente como a gente, que mostre os seus defeitos. Por isso, constroem idealizações exageradas. O fanatismo pode ser direcionado à pessoas, como celebridades, políticos, esportistas, mas também à identidades e ideologias.

O oposto do fanatismo, mas não no sentido de natureza [que seria a anti-idolatria], é o preconceito. O rapaz que espera o show, conversou com a repórter. Comentou que a cantora pop irá fazer uma homenagem à ''comunidade' LGBT brasileira. Disse que foi demitido depois de anunciar que largaria o posto nesses dias. Também disse que já estava de saco cheio do seu trabalho, por sofrer homofobia do seu patrão. A repórter cortou mais da metade da entrevista. Para o patrão deste rapaz, ele é apenas um gay e nada mais que isso. Não conseguindo reconhece-lo como igual, como um indivíduo e ser humano (vida), por aquilo que têm de universal, se limitou a reforçar suas diferenças de sexualidade. Além de discriminar o rapaz em relação ao universo de sua individualidade e portanto de sua diversidade de identidades reduzindo-a a apenas uma, ele também tem preconceito contra a homossexualidade, por si mesma, enquanto identidade e expressão biológica. No preconceito, o elemento de desgosto é determinado como absolutamente ruim. O fanatismo e o preconceito tem isso em comum, o desequilíbrio de análise e julgamento, e portanto de racionalidade, praticamente se consistindo em opostos dela.

Ou é mito ou é lixo. Pensam.

Faria bem ao moço ponderar sua admiração sobre a cantora e ao patrão dele rever suas atitudes, também buscando por suas características positivas [ser justo ou equilibrado com fatos] e identidades em comum, especialmente aquelas que unem a todos, de indivíduo e vida.

O fanatismo pode até ser compreendido como uma espécie de ''traço comportamental de domesticação'', semelhante à adoração [tendenciosamente irreflexiva] de cachorros por ''seus donos''.

O preconceito, por sua vez, que não se limita ao gosto pessoal, por ser quase sempre mais reativo e agressivo, pode também ser compreendido como um comportamento predatório, já que o sujeito embebido por ele, com frequência, desenvolve atitudes desta natureza: persecutória, sádica ou destrutiva às identidades e grupos com os quais sente profundo desprezo [claro, desprezando a identidade mais importante de todas, o indivíduo].

Subjetividade versus racionalidade

Existe uma tendência popular de nojo por baratas. Mas este inseto não é intrinsecamente nojento. São os nossos sentidos ou instintos e memórias específicas à barata que aumentam nossa rejeição por ela: aparência brilhosa e pegajosa, mais a informação internalizada de que podem passar doenças [e pra piorar um pouco, elas também são bem atrevidas porque adoram se aproximar de nós, né]. No entanto, ''nossos animais de estimação'' tendem a ter respostas diferentes das nossas em relação às baratas. Isso significa que diferentes constituições sensitivas/cognitivas ou biológicas têm diferentes respostas, uma questão de probabilidade. E isso se aplica para praticamente tudo. Pessoas têm gostos diferentes, algumas gostam mais de café forte, outras de café fraco; de clima frio ou de clima quente; de sabores fortes, apimentados, ou doces.

As pessoas também se distribuem em um espectro de subjetividade e racionalidade. Mais subjetivas elas são, mais propensas a sempre considerarem suas opiniões, mesmo acima de evidências científicas ou filosóficas [corretas]. Mais racionais, mais propensas a ponderarem ou a aprenderem a ponderar suas opiniões, sempre buscando por fatos. Sou ainda da opinião que os mais racionais já apresentam facilidades naturais para serem mais ponderados em seus julgamentos.

Com relação ao preconceito e ao fanatismo, dois lados de uma mesma moeda, os seres humanos mais subjetivos [com constituição sensitiva/cognitiva mais simples] são os mais propensos a ambos, porque apresentam dificuldade para reconsiderar suas opiniões, mesmo de aceitar que possam estar errados. Esta super-confiança é absolutamente típico nas espécies não-humanas, afinal, se refere aos seus modos adaptativos, àquilo que os ajuda a sobreviver [há todo momento]. Já, os mais racionais [com constituição sensitiva/cognitiva mais evoluída.. nesse aspecto, que é dos mais importantes], são mais propensos a detectarem desequilíbrios em seus julgamentos. E esses desequilíbrios são basicamente, o fanatismo e o preconceito.

Mais um Thiago
Enviado por Mais um Thiago em 06/09/2019
Reeditado em 14/03/2023
Código do texto: T6738682
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