E se...

Acordei no horário de sempre, aqueci uma água, logo o som da chaleira avisava que estava no ponto, passei um belo café. Aquele cheiro intenso e bom, não só predominou nos cômodos da casa, como atravessou a minha alma, a cada gole, meu corpo esquentava e eu, aos poucos despertava.

Incrível como pequenas coisas quando apreciadas com calma nos preenchem de vontades, de repetir o sabor e de buscar novas cores, novos estilos, enfim, nos desperta para o que talvez nos falta.

Hoje quero estar diferente, coloco uma roupa mais detalhada que o normal, um sapato confortável, o cabelo está solto, pequenos brincos brilhantes e, a... Um batom vermelho. Sabe vermelho é uma das minhas cores preferidas, me sinto confiante quando estou usando esta cor.

É um dia agradável, nem muito quente e nem muito frio, eu diria que está na temperatura ideal. Eu caminho em direção ao trabalho, enquanto caminho, dezenas de pensamentos me rodeiam, "será que eu deveria usar este batom chamativo? Será que está bom assim? Aquelas pessoas estão me olhando, será que tem algo de errado? Tem pessoas caminhando em minha direção, preciso evitar contato visual. Aquelas garotas são lindas, aquele garoto é bonito. Sapato legal. Cabelo zoado esse."

Parece que estou sendo afogada, me critico e critico o que vejo, elogio, me desespero, imagino situações e soluções, discuto comigo mesmo e, tudo isso em menos de uma hora. Me sinto refém do meu próprio pensamento.

Mas hoje não, eu não quero que aquela voz interna dentro de mim decida o meu dia, eu preciso de algo novo, talvez eu vá comer algo em algum lugar. Passo o dia todo no trabalho, correndo daqui e dali, gastando parte da minha energia, " eu poderia correr uma maratona e, mesmo assim não gastaria toda a minha energia", penso ainda em movimento.

Saio do trabalho, caminho e caminho olhando para tudo e evitando olhares das pessoas, decido tentar uma refeição diferente, e lá estou, sentada em uma mesa afastada de outras mesas cheias de pessoas, no mesmo restaurante de sempre comendo a mesma porção de batata fritas de sempre, é difícil conseguir decidir algo, se eu estivesse acompanhada, deixaria alguém decidir por mim ou apenas pediria o mesmo.

Me levanto e pago minha conta, o lugar parece mais cheio agora e, eu ainda não fiz nada diferente. Vou caminhando em direção a minha casa, penso que talvez poderia ter um final de semana diferente, sair com amigos. Nesse meio tempo encontro um e outro conhecido, cumprimento e tento ser o mais breve possível na conversa, não é por grosseria, mas nunca sei o que responder, aquela voz interna sempre me xinga quando falo algo que parece bobeira, mesmo quando não é.

Faço um trajeto diferente para casa, um pouco mais longo, mas sei que não terei de encontrar nenhum conhecido por aqui, talvez um estranho ou outro, eu deveria ter medo, mas me sinto sossegada, minha amiga e eu, qua não para de falar dentro da minha cabeça.

Dias passam, o mesmo de sempre, os planos de final de semana foram por água a baixo, aquela voz, ela fala pra mim ficar em casa, é mais seguro, fora dela eu tenho que ser alguém, não posso ser invisível, nem deixar que decidam por mim, mas o pensamento é mais rápido que me faz acreditar que eu estou sendo uma boba, que estão zombando de mim, "com licença, por favor e obrigada? Pensa bem se quer ir mesmo, essas palavras precisam ser ditas em tom alto, quando todos te ouvirem falar irão te olhar, isso quando não ouvem e te ignoram ou fazem você repetir, pensa bem" ressoa na minha cabeça. Episódio constrangedores e outros que eu achei constrangedor, mesmo não sendo, passam como flash back na minha cabeça, eu realmente não quero sair. " Oi desculpa, mas não vou ir, não estou bem, aproveitem." essas são minhas palavras finais e me deito na cama.

Me sinto sozinha, mesmo sabendo que não estou, fico de mau humor e irritada por não conseguir ser por fora, toda aquela pessoa forte que decide minhas ações por dentro. Não é fácil batalhar com seu eu interior, às vezes ele vence e eu me ponho como derrotada, quando na verdade eu deveria sair vencedora, se eu desse menos ouvidos para aquela voz, se eu tentasse sem desculpas, e se...

Yasmim Cândido
Enviado por Yasmim Cândido em 26/08/2019
Reeditado em 26/08/2019
Código do texto: T6729260
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