A Revelação do Eu (ou Performance de Despedida II)
Certa feita (junho de 2000), num sábado à noite, aprontávamos Didi e eu, para um ensaio fotográfico em que ambos usávamos roupas pretas e corpse paint. A ideia era fazermos algo que marcasse nossas vidas, como se fôssemos uma banda de verdade mesmo. Euronymous, Dead, Abbath e Demonaz foram a maior influência por trás dessa nossa empreitada. Eu tinha coletado material como saco de batatas (vazio) e velas usadas para fazermos as tochas que empunharíamos para as fotos. O Japonês, um curtidor da época, me fornecera capote e um punhal. Devidamente utilizados no ensaio. Chamamos um ex-amigo para acionar o botão do obturador após eu previamente ter composto o enquadramento. O ensaio levou coisa de meia-hora, quarenta minutos no máximo. Por onde nós passávamos, chamávamos atenção das pessoas (chegamos até a assustar algumas e a causar espanto em outras).
Quando, por fim, retornei para minha casa, precisei, é claro, retirar a "máscara" (ou corpse paint). Aquilo deu trabalho. E o mais incrível de tudo foi ver meu rosto novamente. Senti-me como se fosse um músico, um artista famoso, em seu camarim. A fazer algo de sua rotina pós-show. Aquilo sim me marcou demais. E o ensaio, que jamais se repetiu, ficou em nossa memória. Cogitamos de fazê-lo novamente, mas sem sucesso algum. Eu não tenho mais as fotos nem os negativos. Graças à manifestação de um outro Eu (impulsivo e sentimental, que num momento de raivinha, de ímpeto, destruíra as fotos e os negativos, por estar brigado com meu amigo de longa data. Eu tomei essa atitude da qual me arrependo muito mesmo, coisa de um ou dois anos depois). Eis a Despedida. Eis-me aqui. Mais velho, mais experiente, mais cuidadoso (não tenho assim tanta certeza disso). Eis a Revelação. Eis que eu contemplei a Escuridão -- dentro de mim. E ainda sinto ela a rondar-me, debochando de uma atitude impensada e imbecil que me marcou. Mas a memória dos esforços não se vai tão fácil. A retirada da corpse paint ainda pesa mais. Ainda me faz ver algo que deve servir de exemplo. Ainda procuro ajuntar material relativo ao Black Metal, porque sinto que isso é como se preenchesse uma lacuna em meu íntimo. Sinto que há muito a ser visto. Que há uma luz eterna que só pode ser vista após uma longa jornada pelas trevas. Metáfora ou não, essa sensação tem me acompanhado ao longo desses quase vinte anos. História para um livro. Ou para enterrar num túmulo de ideias que jamais poderiam tornar-se concretas. Mas que poderiam ressuscitar. E causar algum novo tipo de problema (eu conheço bem isso; sei como isso funciona).
Eu creio que o Black Metal tenha perdido sua grande força com a morte de Euronymous. O último grande legado do estilo, a meu ver, foi a demo "Sleeptime" do Sacrilegium, em 1994. Coincidindo com o lançamento do póstumo "De Misteriis Dom. Sathanas", do Mayhem. Depois disso, não houve mais Black Metal. Apenas alguns lançamentos de bandas que se autoproclamam BM. Mas não têm mais espaço nem sentido num mundo e numa era em que seus maiores representantes já são meros esqueletos guardados sob a terra. Se algo sobrevive nesse mundoente, vazio de sentido e cheio de "jente", ora, é a Memória. Baluarte de Resistência. Segue resiliente. Incólume. E a atravessar o tempo. Enquanto for alimentada.