As dificuldades da filosofia contemporânea
Conta-se que a filosofia ocidental, ensinada nas escolas e nos bancos das Universidades surge no século VII a.C. Para os gregos a filosofia significava a busca pelo conhecimento, o amor pela sabedoria. O filósofo era aquele que buscava a verdade de forma desinteressada, buscava simplesmente pelo fato de que o conhecimento das coisas do mundo e de si mesmo lhe trazia o prazer que nenhuma outra atividade poderia trazer.
Inicialmente a filosofia rompe com o pensamento mítico. O mito explicava o mundo e tudo que havia nele, explicava o homem, sua existência e seu surgimento, no entanto explicava de uma forma fantasmagórica. O mito era formado por histórias que foram passadas de geração em geração através dos tempos. Estas histórias tinham um poder ordenador no seio da sociedade grega, ditavam o que devia e o que não devia ser feito, o mito tinha também um papel integrador e demarcava o pertencimento há uma determinada sociedade.
Tales de Mileto foi o primeiro filósofo e dizia que a arché, o primeiro princípio, era a água. Para ele todas as coisas que existem no mundo teriam advindo da água. Tales é considerado o primeiro filósofo porque pela primeira vez explica a existência do mundo e tudo o que existe nele não por um princípio mitológico, mas por um princípio natural. Os primeiros filósofos eram chamados de naturalistas, ou físicos justamente porque buscavam explicar o surgimento do mundo e tudo que existe nele a partir de elementos da natureza. Esse período era chamado de cosmológico e as principais questões estavam voltadas para o entendimento da ordem do mundo, como o mundo, e as coisas que existem nele foram formadas.
Pensamos que o esforço de explicar o que é filosofia a partir do que entendiam os primeiros filósofos é altamente pedagógico. Quem é o filósofo? É aquele que busca a verdade, aquele que ama a verdade, que se interessa pela verdade enquanto projeto de vida. O filósofo busca entender racionalmente o mundo e tudo o que há nele, busca entender o homem em todas as suas dimensões. Inicialmente a filosofia é a busca pelo fundamento, é a busca das questões fundamentais. De onde viemos? Para onde vamos? Qual é o sentido da existência?
A filosofia procura construir um conhecimento perene, ou seja, um conhecimento que tenha uma base sólida e a capacidade de perpassar os tempos. No entanto, a construção deste conhecimento não é uma tarefa fácil, exige reflexão, esforço intelectual e demanda tempo. A postura do filósofo é extremante crítica, procurando sempre uma fundamentação racional, pautada em idéias claras, bem conectadas, razoáveis e convincentes. O filósofo procura fugir do “achismo” e das idéias rasas e sem fundamentação. O trabalho é árduo e nem sempre traz resultados imediatos, ao contrário, muitas vezes obtêm-se mais respostas frustrantes do que satisfatórias.
Em uma sociedade imediatista e pragmática o trabalho do filósofo é visto como ingrato. Em uma sociedade tecnológica onde a informação circula em uma velocidade “astronômica” muitas vezes o trabalho do filósofo é visto como antiquado ou retrógrado justamente porque não oferece respostas tão rápidas quanto se espera. Mas por que isto ocorre? Ora, sabemos que hoje em dia embora exista muita informação, existe pouco conhecimento e o primeiro exercício do filósofo é justamente diferenciar informação de conhecimento. Sendo que o primeiro impasse encontra-se justamente aí: o que é o conhecimento? Onde está o conhecimento?
Na antiguidade muitos filósofos se esforçaram em diferenciar opinião (dóxa) de verdade (aletheia). Na famosa alegoria da caverna, Platão (428-348 a.C) expõe o quanto é difícil para o prisioneiro se livrar das sombras da caverna, é um processo doloroso, que exige dedicação e empenho. Quando o prisioneiro finalmente consegue sair da caverna ele vislumbra a realidade, o primeiro momento ainda é extremamente doloroso, pois seus olhos não estão acostumados com o brilho do sol, e aos poucos ele percebe que até aquele momento tinha vivido em mundo de sombras. Finalmente o prisioneiro resolve voltar à caverna para contar a novidade aos seus pares e é condenado por eles.
Em sua alegoria Platão faz uma referência direta a Sócrates, seu mestre, que fazia sua filosofia pelas ruas de Atenas e foi condenado à morte. A partir da perspectiva destes dois filósofos podemos perceber que a atividade do filósofo é árdua. Um dos motivos que levaram Sócrates à sua condenação foi justamente porque ele colocava em xeque o conhecimento que era tido como verdadeiro pelos atenienses. O esforço de Sócrates sempre foi no sentido de superar aqueles conhecimentos vindos de fontes não seguras, dos sentidos que muitas vezes nos fornecem informações falsas.
A partir dessas premissas, e, pensando contemporaneamente, verificamos que a filosofia é uma atividade que não emite resultados imediatos, por este motivo, muitas vezes ela contraria os anseios de uma sociedade tecnológica, que busca respostas, prontas, acabadas e fáceis, despreza o debate, o diálogo, a argumentação séria, racional e bem construída. Isto porque a atividade filosófica demanda tempo, e para os homens e mulheres do mundo contemporâneo, o tempo é visto como inimigo da sociedade. Pensam isso erroneamente porque reduzem às suas vidas a obtenção de objetos, de mercadorias, iludem-se com mesquinharias efêmeras, sem valor real. Satisfazem-se com saberes ilusórios e, muitas vezes não sentem o desejo de aprofundar os seus conhecimentos, convencidos por uma ideologia da mediocridade que lhes diz que isto não faz sentido. Dão de cara com o fracasso, e acabam desistindo por achar o caminho intransponível.
Por fim, é sabido que a estrada para o conhecimento é árdua e tortuosa, ela não oferece muitas facilidades para aqueles que pretendem atravessá-la. Por outro lado, sabemos também que os frutos colhidos ao final dessa estrada são belos e apetitosos, e nunca poderão ser apreciados por aqueles que não tiverem e empenho e a destreza para traçarem esse trajeto. A filosofia se faz necessária porque ela nos empurra para o conhecimento, mesmo porque o ímpeto filosófico está em nós, na medida em que nos indagamos sobre o porquê das coisas e buscamos sinceramente uma resposta razoável para as grandes questões que nos perturbam. Somos filósofos quando nos propomos em entender os fundamentos, entender os porquês, desvelar aquilo que até então estava obscuro. A atividade filosófica aponta caminhos nunca antes considerados. A filosofia funciona como um óculos para aquele que não enxerga ou enxerga mal, fazendo com que este veja coisas que antes não poderia ver, observa o mundo de uma maneira mais clara e nítida, consegue observar todos os contornos e nuances, consegue perceber os detalhes daquilo que antes não fazia qualquer sentido. É com a atividade filosófica que o ser humano se realiza, pois somente aí toma consciência do seu potencial enquanto ser pensante e pertencente ao mundo não como um ser isolado, mas como uma parte integrante e importante que compõe o que chamamos de humanidade. É a partir daí que o homem entende a si mesmo, a sua relação com os outros homens e a sua relação com a natureza. Por um lado, percebe todo o seu potencial enquanto ser racional, por outro, percebe toda a sua fragilidade e dependências dos fatores naturais dos quais ele não tem, e, talvez nunca possa ter o mínimo domínio.
Estamos ansiosos por dias mais seguros, por saberes mais seguros e por uma sociedade mais segura, mas não queremos abrir mão do nosso tempo, a fim de saber afinal de contas, qual é o sentido disso tudo? Para onde estamos indo? Que o tipo de sociedade estamos construindo? Que tipo de relações estamos construindo? Sinto que enquanto não soubermos olhar aquilo que realmente importa para as nossas vidas, estamos como se estivéssemos em um barco a deriva.