A LETRA E A VIDA

"Escrever é retirar-se. Não para a sua tenda para escrever, mas da sua própria escritura. Cair longe da linguagem, emancipá-la ou desampará-la, deixá-la caminhar sozinha e desmunida.

Abandonar a palavra." (Derrida, Edmond Jabès e a Questão do Livro, 1973.)

A escrita não é uma representação da linguagem oral e muito menos a descrição ou a apropriação abstrata de um real percebido como exterioridade. Ela é um ato de invenção, de definição de um eu que serve de ponto de passagem entre um interior e exterior que como dado empírico é uma construção da linguagem. É a linguagem e não o mundo que habitamos. Isso nos difere dos animais, nos torna mais complicados ou absurdos do ponto de vista da natureza. Observando que o próprio conceito de natureza é uma abstração humana, demasiadamente humana.

Não podemos saber o mundo sem construir um modelo de mundo. Desconhecemos a experiência nua do vivente. Mas somos compostos pelo vivente. Somos um arranjo entre o orgânico e inorgânico que produziu uma anomalia. Nosso modo de pensamento por associações e analogias, é uma anomalia que desemboca no artificio da representação.

Tudo o que fazemos é dizer um mundo circunscrito a um dado território gramatical. O que nos torna humanos é o dizer das coisas. Para nós a linguagem é a medida da realidade. Nos últimos séculos, marcados pela definição do letramento como condição de cultura, a escrita passou a se confundir com o experimentável e o socialmente comunicável. Ela se converteu em um poder estruturante da experiência social. Existimos para e através da linguagem. A palavra se fez alma do copro.