manhãs

Senta-se sozinha ao fim da escada, aquele degrau frio é como o mundo

A gata te olha fixo, ela sabe

Os gatos sempre sabem

Pois estão também à beira da realidade inteira.

A repugnância de ser quem é impregna os sentidos, entorpece a cabeça

Como uma nuvem esparsa e longa

Eu não mudei, tu pensas consigo mesma, eu apenas ocultei quem era até para mim mesma.

Onde está a paz que outrora inebriava tuas reações?

Onde está a moralidade de teus atos?

Que fizeste a ti mesma, tornando o teu vale de lágrimas mais amargo?

Por que essa destruição de teu âmago, de tudo que tu achaste que um dia representou?

As emoções são viciantes, tu bem o sabias

Entregue-se a uma delas, e encontre-se alcançando um aspecto podre de tua totalidade

E da totalidade do mundo inteiro

Todos os seres humanos são unidos na podridão resultante das emoções

Tu o sabias

Tu sempre o soubes

E lá está você, justamente você, esfaqueando-se no peito por coisas que tu não compreendes e nem um dia compreenderás, pois não fora feita para desvendar os mistérios do humano...

Que prepotência achar, mesmo por um instante, que tu podes entender e ter controle sobre os demônios dos homens.

Por isso tu evitas teus olhos negros no espelho

Por isso tu se enxergas disforme e pútrida

Por isso a realidade despedaça-se em poeira e em trapos

O que havia de crença no ontem torna-se nulidade no hoje

E tu não sabes como acordas no dia seguinte

Desafie-os, desafie-os, eis tua resposta.

É manhã, um novo dia está para nascer

E tu revolves a angústia de vivê-lo

Todas as tuas escolhas te parecem insuficientes

E cada dia apresenta uma possibilidade que te assusta

Tu sabes que uma hora virá o golpe

Seja num ato ou palavra

E tu precisarás armar uma couraça que não tens

Brincar com aquilo que te arrebenta por dentro

Sentir-se ridícula por dizer que sentes

Ser motivo de riso quando lhe dói

E rir junto, mesmo que forçada, pois esse é o fim de todas as coisas.

Não há sentido algum, ela bem te avisou

Nunca há sentido algum em sentir

Tudo que é bom um dia transcende para o sofrimento

Tu assististe ao sofrimento dela, também experimenta as agulhadas em tua carne, as agulhadas que te mantém de olhos abertos a noite toda e lhe traz pesadelos quando os fecha.

Mas ainda assim,

Sentada neste degrau

Respirando esse ar que lhe corta as narinas

Tu se perguntas

Se realmente o vazio de não sentir

Seria melhor

Que o vazio do sentir...?

Zéfiro Alves
Enviado por Zéfiro Alves em 12/07/2019
Reeditado em 13/07/2019
Código do texto: T6694064
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