Febril

Hoje sou como aquela pedra branca no meio do jardim. Quiçá estivesse ela a transpor tropeços memoráveis... do que de ela entender bem, pode ser a arte de observar, e estar.

Quando pela manhã desperto não só o corpo, ela ainda está lá. Muda, mas não há nela aparente angústia - apenas um desequilíbrio na sua superfície, nada mais que de súbito o possa bem observar nitidez. Se dizem que água é mole e pedra dura, mentiu-se. O rochoso caráter das gotas desmistifica qualquer leveza ou bondade. Ai está minha vida escancarada em duas: maleável rocha e espectralmente firmeza no sensível sentir.

As folhas e flores detém-me poder de amá-las, não de hora em hora só quando os olhos meus nelas repousam, mas delicadamente tristes e feias - por dentro. As fadas não são seres tão reluzentes assim. Meu temor é bastar amá-las uma única vez para sofrer. Guardar a guia que leva-me passeando dentre bosques frios no verão, em lamacentas nascentes de água firme, gelada e pura. Cada cisterna ao fundo dentro à mim transbordou quando eu me vi no reflexo de minhas próprias cheias mãos sedentas - estas míseras gotas são surreais por tristes e belas - como flores brancas, pedras brancas delicadamente caladas são.

Estou me sentindo sem peso - isto é bem ruim, pesa-me minha própria mão tempo inteiro por décadas em segundos. Eu não sou tão boa quanto pareço ser? Será que mereço o amor que mesmo pouco, tenho à mim mesma? Por meu caminho que sou, tropeço e não peço perdão. Machucando, cada pedrinha e obstáculo querem despertar-me a vida à força, pouco a pouco levemente.

Flores brancas pedras brancas são. Ao alto caem e não machucam a consciência, por tão perfumadas suavizam-me por fora e dentro... sangram feito pontudas pedrinhas que perfuram delicadamente, devagar, matando por fora e curando à força do lado de dentro.

Eu sou tão tristemente consciente pelo que posso ter... O não poder atrai-me ao longe, em poucas doses, eu não deixo nada de alguém em mim se petrificando cravar. Sou tão ferozmente contente pelo que não posso contar, e lirismos obscuros encantam-se ao amarem-me no estrado de meus desejos febris. Ao lado do que pudera do passado tragar, trazer tormenta é meu futuro instável em que ninguém o possa acompanhar. No caminho, estável e imóvel. Por mim cai o sumo destas pálidas pétalas, transportadas por ríspidos pardais e pólens recaem sobre mim vestígios e indícios de minha própria mediocridade frente à natureza, a compreensão do tempo, a chuva não cai ou por demais transbordando, lá estou intacta e também inerte.

Há tantas tempestades feitas de pedras, rochas enormes escuras e límpidas por tão leves e pesadas. Formações parecidas transpõem das profundas cavernas no interior do planeta Eu.

Se faz quentura o desfrutar, amamento-me em leves pingos, doses categóricas e gotejantes. Meus deveres perante o mundo não sustém-me aqui agora, momento presente como todos os dias dos dias desigualmente idênticos no mês. Ontem prometi usar um laço no pescoço para relembrar-me que só a mim pertenço, e jugo este pesado fardo não é. Se eu prefiro ter crateras, sujeiras grudadas por terra, cor desbotada sem fragante essência de cheiro agradável e doce, a peregrinar tal qual finita pose em dias quentes de verão onde se queimo os pés, pedras não serão alívio, chuva derreterá esta carapaça diluviana que ama, oh ama sentir frio e concreta derretendo mesma à próxima estação, só por fora.

Quem passar, sinto muito - sinto tanto, e não invejo - observo-me a sós, petrificada e rezando-me própria, doses sem fim, enfim enquanto durar-te : ciclo natural do devir.

Ligeia Amanna
Enviado por Ligeia Amanna em 09/07/2019
Reeditado em 15/09/2023
Código do texto: T6692347
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