O Inimigo do Meu Inimigo
O inimigo do meu inimigo não é meu amigo; o amigo do meu inimigo não é meu inimigo. Lembrei-me bastante desse fato enquanto apertava-lhe os dedos, porque existe a fábula onde uma formiga se esconde sob a bota de um lenhador buscando refúgio após ser perseguida por uma aranha imensa.
Meu amigo, o dizem, é amigo do meu inimigo. Não nos importamos, reunimo-nos na sala de jantar todas as quartas e nos finais de semana. Não há o que ser tomado, dado ou dito. Cruzamos nossas pernas de tal forma que nossos tornozelos se tocam enquanto compartilhamos o mesmo sofá. A formiga diz: "Ei, repugno a aranha tanto quanto você. Acabe com ela, amigo", e a bota põe um fim na aranha para, só então, surpreender a formiga com uma frívola e lenta pisada, esmigalhando o exoesqueleto miúdo e negro do inseto com a malícia mais gratuita e simplória na qual um homem pode encontrar prazer.
Meu amigo certamente não encontraria satisfação em ser a bota, tampouco eu. O que interessa o prazer descomedido ao inimigo quando lhe oferecemos nossa garrafa barata de vinho e minutos intermináveis no silêncio quente de uma vida fastidiosa? Todos chegaram e partiram muitíssimo satisfeitos. Criamos horror às fabulas.