E DEUS...__________

_ Me conta uma história? (ela para Deus)
_ Conto, entretanto, já está quase na hora. A vida lhe dará muitas histórias!
_ Tá, que seja, mas conta?!
_ Conto, Laura, conto...

     E contou sobre as estrelas, a xícara de café ante uma multidão de atônitos sem horizonte, o compelido a fazer algo grande, os sonhadores que jorram poesia, as vidraças à hora da chuva, os tropeços resmungados e o dia em que discutiu generosamente com um filho caído dos céus... Falou dos dias distribuídos de apertos de mãos, dos tardios e exaustos, dos jardins que se desenvolvem em profundo silêncio, as faltas que cometera e a fanfarrice. Disse do mundo, dos descontentes, dos gratos, da piedade e o pão à porta dos necessitados. Falou também dos animais e dos anjos, dos macacos exasperados por aqui e acolá, os subúrbios, o gosto pelas fantasias à procura pelo domicílio em peitos ocos, as profissões, alegrias e misérias, o imprevisto, acaso, o fascinante céu em dias ensolarados, a majestosa neblina...
     Divertia-se ela, espalhada entre os braços de Deus.  Assemelhada às crianças ainda sem berço - poeira - pendurada entre as estrelas....

_ Chega, Laura, chega!
_ Ah, um pouco mais!
_ O que fazer? - e sorriu diante daquele fragmento plantado, ainda tão distante das coisas terrestres...

     E continuou, não há dúvida, a desfilar os pensamentos, resumindo tudo o que ela ainda conheceria.  As paixões, os jornais afirmando que o homem falhou atenuado pela violência, os adoráveis olhos dos bebês, a China, o Ocidente, o Polo Norte, a Terra Prometida, a angústia, a nostalgia, os espelhos, os tecidos e as sinfonias, a serpente...Viver é florir, Laura! Caminhar é quimera, sempre quimera! O amanhã remodela a vida mas o hoje, Laura, o hoje! O hoje é flor incomparável! E prosseguiu de todas as coisas, da sombra ao pé da árvore, a neve e as urtigas, os metais, as batalhas, os ferreiros, a Ópera, as bochechas rechonchudas das crianças, o incomunicável e a morte... A excessiva sensibilidade, a indiferença, o misterioso que lhe era atribuído e a ideia da bondade, a tabacaria, o desejo do condenado pela janela, a dádiva do amigo e a triste celebração pela moeda. Deus falou emprestando ao tom da voz o seu espírito. Logo depois deu uma piscadela significativa, à qual ela não demorou a entender. E foi quase instantaneamente. E havia lá rostos estranhos e toda história esquecida.

     
oOoll NOTURNA lloOo
Enviado por oOoll NOTURNA lloOo em 21/05/2019
Reeditado em 21/05/2019
Código do texto: T6652843
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