A necessidade de percebermos os sinais do reino
A tarefa cristã ao assumir como missão a ampla divulgação do reino que Jesus anunciou há mais de dois milênios atrás se torna sumariamente preponderante na conjuntura atual. O Brasil atravessa um dos seus períodos mais difíceis em termos políticos, econômicos e sociais, com a fé e a palavra de Jesus muitas vezes sendo usada para endossar práticas antidemocráticas que reproduzem de forma escancarada uma lógica individualista e acima de tudo, imperialista.
Diante de tal circunstância, se faz necessário pensarmos de forma crítica a respeito do próprio discurso em torno de Jesus, que ao ser reproduzido como um sujeito passivo e contemplativo de um reino metafísico subordina toda a emancipação popular ao escrutínio da resignação. Não podemos cair na armadilha da resignação perante as contradições sociais que vivemos no nosso cotidiano, não podemos achar normal o irmão que está desempregado, ou a mulher que é vítima de feminicídio, o aumento substancial da pobreza e do desemprego estrutural no mundo. Há mais de dois mil anos Jesus nos mostrou que o reino dele é feito de homens e mulheres que se encontravam em condição de subalternidade diante do império Romano.
Jesus parte da premissa de um reino construído de dentro para fora e de baixo para cima de toda a estrutura opressora. Seus ensinamentos são provas concretas da necessidade de formação de um poder popular paralelo à dominação imperialista. Em seu tempo, o império era representado por Roma que através de todo um poderio econômico, militar político e social, criava redes de articulações nos mais variados territórios. Nos dias atuais, em que a hegemonia do capitalismo torna todos os elementos da vida em mercadoria, se faz necessário tais reflexões no sentindo de não reproduzirmos uma fé burocrática e mercadológica, que essa fé seja emancipatória e seja o combustível necessário para as mudanças sociais que o tempo presente necessita.
Aceitar a missão de apontar os sinais dos reinos é acima de tudo, ter um aprofundamento analítico sobre a conjuntura da realidade e perceber que em muitos casos, nós mesmos estamos reproduzindo discursos individualistas em nossas práticas. O reino não será construído através da imposição ou de uma suposta colonização do saber diante dos oprimidos, em primeira instância, essas relações estão mediadas por uma condição de classe na qual precisamos nos identificar também enquanto subalternos, só assim, é que poderemos dar um passo adiante juntamente com nossos irmãos para o estabelecimento de estratégias de emancipação popular diante das estruturas de poder dominantes em nossa sociedade.
Outro elemento que também devemos estar em constante vigilância diz respeito às estratégias cotidianas de lutas que os setores populares de nossa sociedade promovem, não podemos cair em um discurso no qual somos os ungidos pela graça divina e que iremos levar a salvação, quando nós mesmos estamos inseridos no pecado e na ignorância dos dilemas que nossa sociedade enfrenta. A humildade precisa ser praticada diariamente no sentindo de entendermos que a cada minuto estamos aprendendo e reaprendendo para termos plenas condições de percebermos os sinais do reino de Deus.
Essa necessidade de percebermos tais sinais perpassa também pela própria vigilância de nossa forma de pensar e enxergar as estruturas da sociedade, aliás, fé, política e sociedade são elementos que devem ser visualizados de forma total e dialética. Jesus foi quem mais nos mostrou essa relação ao enfrentar toda uma estrutura de poder instalada, dando sua própria vida para nos mostrar que nós podemos fazer as mudanças necessárias para vivermos em paz e comunhão.
Por último e não menos importante, devemos ter a certeza de que Deus criou homens e mulheres para viverem em irmandade, com a devida distribuição dos recursos materiais elaborados pelo trabalho socialmente produzido. Sem isso, estaremos fadados apenas à esfera caridosa, não ultrapassando assim, a linha tênue entre o que nos torna subalternos e emancipados.
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