Sobre o tempo que nos engole...
... Recife me deu muitas oportunidades (mesmo desempregado), uma delas foi a de ver (e escutar) o escritor Mia Couto. Um homem baixinho com uma escrita poderosa (e o mesmo olhar claro do meu pai).
Na sua palestra, que parecia mais uma conversa, ele falou de coisas óbvias, mas com seu jeito marcante (de contador de estórias): falou sobre como escrever não é um dom especial, antes, é um momento profundamente humano; só que alguns esquecem... Sobre como alguns que escrevem serem “adoecidos” de poesia... Sobre porque poema (e prosa poética) é “tropeço” na linguagem, daqueles que nos permite ver com olhos de espírito... e o mais marcante, falou sobre o silêncio; dele ser sempre confundido com o vazio (de sentidos). Mas para ele, o silêncio é a aquela voz que nós não nos importamos de jeito nenhum, mas é a única voz que realmente deveríamos escutar...
Ele também falou sobre como é ser um ateu não praticante e, como usamos o verbo TER de forma inapropriada (tenho filhos, tenho mulher, tenho esposo...). Identificação total!
Mas de tudo o que compartilhou, uma coisa me doeu profundamente: ele era menino quando seu avô (que morava na Europa) partira; e o seu pai chorava ao mesmo tempo a distância e ausência (eles moravam em Moçambique, na África). Então, sua mãe lhe pediu para ir consolar seu pai. Porém, chegando no quarto, o pai logo diz: ele morreu lá, não aqui; aqui ele sempre vive...
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Eu estava no ônibus (já distante) quando meu telefone vibrou, horas depois de ter visto minha mãe pela última vez; no leito do hospital. Eu quase não consegui tirar o celular do bolso, porque já pressentia o peso da mensagem:” Ela se foi irmão”, dizia minha irmã. E eu pensei exatamente a mesma coisa dita por aquele pai (que também era filho): ela morreu lá, não aqui...