Ferro

A pele sobre o peito encobre a solidez que está oculta; nas profundezas se escondem as placas que pesam debaixo da carne, sob ossos forjados para prendê-las. Entre paredes sólidas ecoam gritos abafados de um coração retido no cativeiro, atrás do ferro fundido que oprime-o – ferro que eu mesmo forjei nas fornalhas da carne, batendo-o na bigorna até dar-lhe forma.

Grande parte das vezes escrevo de forma indireta, não escancararo o assunto do qual estou tratando porque a profundidade com que transfiro o que sinto ao texto não permite tal ato – e nem sempre a facilidade faz o espírito arder e a mente acusar o erro.

Revolto-me comigo mesmo quando, diante de uma situação que deveria tocar-me, meu coração nada sofre, meu espírito não se inquieta e eu deixo de interceder e chorar em prol do fato. Quão porco pode ser o meu cristianismo? Como alguém como eu pode falar de Cristo se não expressa as características dEle?

Quão indiferente meu coração parece estar, quão desleixado estou em relação aos meus semelhantes! Envergonho-me de dizer ao Pai que o amo conforme sou o que bem entendo, rumando na contramão da aparência – e essência – de um filho de Deus.

Inconsequente! Coração de ferro que incendeia e se molda na fornalha da carne mas não se derrete no fogo do Santo de Israel! Não existe amor em mim por ninguém, sou o pior entre os vazios de amor, aos olhos não levo lágrima alguma; a Deus, pranto nenhum por quem quer que seja.

Pobre barro que sou, tudo que tenho é carne e pecado, nem o sopro que move-se em forma de espírito pertence-me, nem a salvação que professo acha-se em mim por mérito próprio. O que sou eu, então? Se o Rei desce do trono para lavar os pés do homem e morrer por ele, quem penso que sou para recusar o choro àqueles que precisam de oração e, acima de tudo, o amor sincero que flui do coração de Deus?

Como vaso que sou, não quero somente ser quebrado e refeito nas mãos do Oleiro, que em bondade o Oleiro submerja este vaso no fogo, que diante do Senhor eu me desfaça como o ferro se desfaz na fornalha. O que há de bom aqui para que eu não deseje ser derretido, moldado e ornado?

Que estas placas caiam, o choro escorra e o Amor transborde.

Filipe de Campos
Enviado por Filipe de Campos em 24/03/2019
Código do texto: T6606038
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.