Momento
Ela é calma e esbelta, uma ovelha branca provocadora. Quem olha para as suas ancas sabe que o lobo nunca poderá se conter.
Seu olhar perfaz nossos encontros e me calam as palavras. Não sei mais o que é falar, minha língua se atrapalha, mordo-me os dentes, e como ao folhar um caderno, ela levanta a sua saia e provoca em mim um inferno instantâneo, e queimo de imediato por mais que o céu me caia.
Põe um cigarro entre os dedos, confia neles segurança, acende a beata no calor, fuma ao pé de mim e isso entesa o momento. Pés descalços desenham no chão a necessidade de um corpo, uma química, uma conexão de seres vivos. Algo rijo, mas sensual, devagar, que a agarre sem abortos e não a faça mal.
Chamou-me sem meu nome mencionar, quando deslizava os calcanhares ali, num pavimento cimentado e fresco, que lhe levava um frio por via das pernas para dentro de si.
Queixo a encostar o céu, baforadas, sexualidade, mãos abertas e arreadas como suporte para a pose que lhe alimentava a vaidade. Sentada, as matabelas dela eu via lisas. Maldade! Exalava beleza e o decote causava mar em mim.
Rendi-me a cruzar as pernas quando via as suas uma em cima da outra, as cuecas quase que à mostra, os poros invisíveis, o cabelo que escondia as orelhas e deixava seu retrato impecável, a blusa de alça escorregava como se ela se quisesse despir, a água em minha boca escorria levemente, como se eu quisesse cuspir.
Às vezes virava-se para mim e perguntava se estava tudo bem, eu gaguejava e tremia os olhos, não entendia nada também. Estava ocupado demais a tomar conta do seu aspecto carnudo, tinha apenas a visão funcional, a mente a projectar piruetas.
Mudo, surdo e ao mesmo tempo sem acção, quis sentar-me um pouco mais perto, esticar os ossos até tocarem-lhe a pele, roçar sua capa humana com meu tacto em alta definição.
Mas o momento era só para apreciá-la.