Isso daria uma foto foda
"Isso daria uma foto foda!" Pensei ao olhar meu reflexo na janela da biblioteca. Tinha tanto tempo que eu não me admirava ao olhar o espelho.
E ali eu estava. Eu, esse corpo preto, sentado em uma biblioteca de universidade que foi construída em um Brasil colonial por mão de obra escrava.
Eu, um corpo preto machucado, em meio a uma crise depressiva, estava sentada na biblioteca, minha pele escura e meu cabelo volumoso em contraste com as numerosas estantes de madeira e livros enfileirados.
Quantas vezes me abriguei nesse prédio para ler e fugir dos problemas criados pela minha própria cabeça? Quantas vidas negras foram silenciadas graças aos autores daqueles mesmos livros? E mesmo assim, ali estava eu.
Me olhei mais uma vez. Daria uma foto realmente foda!
Seria uma imagem tão cheia de significado.
Veja bem, minutos antes tentava esboçar uma imagem que veio a minha mente pensava sobre minha essência e ancestralidade.
Essa semana estudei Hegel e segundo ele a individualidade é construída a medida que o indivíduo se molda aos fatos externos, por isso seria uma foto foda, estaria tudo ali. Todas as partes de mim.
Eu, uma mulher negra, no centro, olhando fixamente para o observador, pelo que me lembro, isso provoca uma sensação de de diálogo com o exterior.
Eu, uma mulher negra, expressando, antes de tudo, minha ancestralidade, minhas raízes culturais, minha história e do meu povo, minha família. Eu, essa autoconsciência permeável que resiste à determinações externas em contraste com o fundo branco, puro, colonizador dos livros, do prédio. Livros que determinaram socialmente o destino dos meus ancestrais. Quantos dos meus problemas são resultado da mesma instituição que fundou esse prédio e escreveu esses livros?
Eu, no fim dos meus vinte anos, me sento nesse prédio, buscando por respostas, permitindo que minha consciência seja atravessada por tantos ideais diversos.
Não quero mais me sentir engolida por essa realidade, quero ser parte dela, quero que a assimilação que Hegel descreve seja mutua. Não mais quero ser dominada.
Eu, esse corpo preto, dotado de autoconsciência, devo me impor às determinações.
Eu, esse corpo carregado de história, de ancestralidade, trago as raízes de meus antepassados, minhas dores, meus traumas e exijo reconhecimento. Eu, hoje me aproprio dos conceitos desse lugar e desses livros, ressignifico cada um, me aproprio. Me perdoo.
Tudo isso em uma foto, seria uma foto foda.