Como é escrever?
Sento-me diante da tela do computador com ânsia de escrever, a coceira sob as pontas dos dedos liga o teclado às minhas mãos.
A sensação... é estranha, e perdura noite adentro corroendo a cabeça e as pontas dos dedos; fico tenso, empalideço e a boca seca. Daí levanto-me e vou beber qualquer coisa, quando retorno, nada mudou; os pensamentos pesam e a incapacidade de expressar-me vai estendendo-se. Recosto no assento com olhos fitos na parede, buscando algum refrigerio para a quentura de pensar e pensar sem conceber coisa alguma. Passo a observar o teto maltrapilho, o piso amadeirado sob os pés, as cortinas que requebram sutilmente em frente os frizos das venezianas. Por dentro transbordo como rio de verão, regado pelo degelo das montanhas que, na véspera, acobertavam-se com neve espessa; por fora, permaneço parado no tempo, incapaz, agoniado, impossibilitado de canalizar a água deste rio de verão e fazê-la fluir através de minhas mãos.
Termino com fortes dores de cabeça e o costumeiro desânimo pós-fracasso. Recostado na cadeira me permito remoer a lástima de ter na mente e no coração o peso de algo extraordinário do qual não consigo falar e, sem poder externá-lo, o indescritível pesar de tê-lo somente à mim... Até que, não podendo mais respirar, deixá-lo esquecido... através da eternidade...