Mais mel no meu chá, por favor

Olho para as árvores à minha frente, mas não as vejo. Não as leio, nem tampouco as compreendo. Não sei qual delas será a mangueira, nem qual será a macieira. Na verdade nem sequer sei se existem destas defronte de mim. Uso óculos graduados, por sinal, no entanto, não vejo nada. Descrevo a minha visão como se de um nevoeiro se tratasse – obscura e abaçanada.

Estou desatento, não sei de nada, quer dizer, não sinto saber de coisa alguma.

Não digo ignorante; sou mais é ingénuo. Ingénuo como alguém que não sabe que as bananas deixam de ser verdes quando amadurecem, tal como quem não reconhece que as galinhas põem ovos, ou até que as próprias galinhas têm penas ( a não ser que tenham sido depenadas).

Curioso de como vim cá parar. Acho que andei, doem-me os pés. Não. Sofrem-me os pés, que pisam em chão desconhecido, terra estrangeira, e que agora não se sentem em casa. Crescem-me calos nos pés e lá arde, queima, exorbitantemente. Apercebo-me então, que estou descalço, pele nua na superfície húmida e áspera. Há um cheiro penetrante no ar à relva saudável, sinto que choveu, ou que chove. Talvez ambos; e sonho, ou ainda, acho que sonho de olhos abertos porque pareço inábil de perceber o que acontece ao meu redor. A tactilidade da minha pele é inidentificável, parece ser de outro sujeito. Porventura tenhamos trocado de pele, e eu não me lembro de o termos feito. Não tenho porquê duvidar disso, sendo que estou alienado e labiríntico. A minha estultícia soa-me inócua, mas já não tenho certeza de nada. Entendo, não que esteja preso no tempo, mas sim que tenha sido aprisionado pelo mesmo, e que já não me consiga safar deste. Não sinto pertencer ao lugar em que me encontro. Devo ser de outro mundo.

Forço-me a acordar deste sonho, se é que isto é verdadeiramente um sonho (e talvez até seja, um sonho muito desagradável), que me desobedece como um bambino traquino.

Sinto-me supérfluo; excessivamente supérfluo. Pareço não ter propósito algum e, apetece-me chorar. Apetece-me livrar de tudo o que tenho para me livrar. O descontentamento, de quando deito ar pelas narinas, imerge em mim e sufoca-me.

Oiço murmúrios, murmúrios dos pássaros que voam sobre mim, e que invandem o meu pensamento. Estes pássaros conversam entre si, num chilrear alto e tenebroso. Isso amofina-me.

Estou exauto, perdido, a solidão faz-se assídua e diligente.

Kiary Cardoso
Enviado por Kiary Cardoso em 16/02/2019
Reeditado em 18/03/2019
Código do texto: T6576759
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