SÓ
Quero ficar só
Dar um nó em mim mesmo
Ser da empregada o pó
Que ela passou a esmo
Não quero mais sentinelas
Quero olhar meu espelho
Sem ter quem me olhe as janelas
Meus olhos castanhos estão ora vermelhos
Sei que é difícil se adaptar a escuridão
Fecho meus sentidos e viajo além
Quebro minhas correntes de ilusão
Pertenço somente a mim, miragem
Sei que somos cadeias e elos
Qual caramelo na boca
Meu mundo é sumir em paralelo
O sol arde em minha pele oca
Sou a hora que passa e repele
Represada no tempo e na imersão dos astros
É lágrima que pela pele expele
Aquilo que não deixa na escuridão rastros
Apenas quero sumir de tudo limpar os limos
Sabe aqueles dias que morrem
Sem sabermos porque existimos
Assim sou eu nestas horas que me remoem
Mais os dias passam
Quais gotas de remédios
Muitas vezes reveses e tédios
Fome tem os animais que nos caçam
Sinto que o coração se dilui
Qual gotas de suor que se esvai
Sou este tempo que não flui
Tendo a certeza que ele cai
Em busca de algo que me aqueça
E que na agudizada solidão
O frio de sua memória não me esqueça
E que às avessas disseques meu coração
O que importa hoje no porvir das horas
É o que tenho pra viver contigo
Pois que doravante existir no agora
É o que me faz pertencer ao teu umbigo
Teu amor é forno
É licor que derramas no céu de minha boca
É calor morno
É a única coisa que escuto nesta terra oca
Seus braços meu quintal
Sua língua manancial
Seus olhos minhas retinas
Suas mãos minhas vinhas
Tudo em você me embriaga
Longe de ti sou centelha
Perto sou estrela
No meu peito cigarro que fumo traga
Quero ficar só
Pra lembrar
Que não existo sem você...
E agora que realmente estou só
Só me resta não mais resistir
Pois que a empregada desta vez
Limpou o pó que me deixou de existir...