COTIDIANO

COTIDIANO

Acabo de chegar em casa depois de andar durante duas horas pelo centro de Santos, sob esse calor de 40º. Almocei em um quilo da vida, em seguida fui ao setor de Engenharia da Prefeitura. Caminhei por algumas quadras até o Poupa Tempo para retirar uma via da carteira de identidade. Após uma árdua batalha com o totem, ou melhor com o teclado do mesmo, consegui agendar dia 30 para fazer o documento. Fazia tempo que não percorria as ruas centrais da cidade e sai pensando como em poucas horas acontecem experiências humanas que, normalmente, enriquecem nosso ser. Logo ao chegar à Praça Mauá, um camarada fez sinal para estacionar o carro em uma vaga vazia. Estacionei e o cara perguntou se queria “tarjeta” de estacionamento. Cobrava o dobro do preço oficial, reclamei e recebi um sorriso de “necesito ganar algo”. Pensei que era um Hermano argentino.

“-No, soy chileno.”

“-Rapaz que é que você faz aqui? Gosta de sofrer para vir ao Brasil?”

“-Aquí es muy bueno!”

“-Apaixonou por uma brasileira?”

“-Si, más o menos.”

Após o almoço, fui tratar das minhas coisas, pensando no desprendimento do chileno e no que faz uma pessoa sair do seu país para ficar na rua vendendo cartões de estacionamento.

Chegado ao Poupa Tempo, me coloquei na fila das pessoas preferenciais, atrás de uma moça com uma linda bebezinha ao colo, e uma menina de uns sete anos. Logo após se postou na fila uma jovem magra que foi logo falando que estava grávida pela quarta vez e sua barriga não ficava muito grande nas gestações. Sem que eu perguntasse, contou o que havia acontecido com ela. Havia feito laqueadura das trompas e, após seis anos, começou a apresentar enjoos e tontura. Foi a uma consulta médica onde foi diagnosticada gravidez. Fez todos os exames complementares e comprovou-se ela estar esperando nenê. Comentei que nunca havia ouvira falar de uma situação igual a dela. Foi ao médico que havia feito o procedimento, que de pronto responsabilizou-se e prometeu arcar com todos os custos de um parto e nova laqueadura. Aí me contou outra parte da estória. “-Sabe, essa é aminha quarta gravidez. Tenho três filhos lindos. Meu marido queria a separação e eu pedi muito a Deus para que isso não acontecesse. De repente, fiquei grávida de uma maneira impossível. Só Deus mesmo.” Saí dali impressionado com a força do pensamento de moça. Ocorre que a laqueadura, estatisticamente, impede 95% da possibilidade de gravidez. A possibilidade de gestação existe mas é remota. A moça acertou na mosca.

Voltei de ônibus e um menino autista sentou ao meu lado, gritava e se agitava sem parar. Desci do coletivo pensando que drama não vivia aquela mãe com seu filho.

Caminhei até a minha casa agradecendo muito a Deus pela minha vida e pedindo que as pessoas que encontrei tenham muita ajuda para resolver seus problemas.

Acredito que todos devem perambular pelas ruas e observar nossos semelhantes.

Santos, 23 de Janeiro de 2019.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 23/01/2019
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