In memoriam a garota dos cachos dourados

Fazia tempo que eu não voltava aqui..

Minhas palavras adormecidas, preguiçosas de nascerem dessa voz... Agora elas vieram, aglomeram-se na minha garganta por que não sabem exatamente como e o quê querem dizer.

Foi uma notícia que as despertaram. Uma garota. Uma vida. Um fim.

Eu dividi uma sala da universidade com essa menina, por seis meses nos víamos quase sempre e trocávamos uma ou duas palavras por dia. Não éramos próximas. E então eu parti para outras estradas e ela continuou seguindo a dela.

Há um mês atrás eu a vi, cruzando com pessoas, esperando sua vez de entrar num ônibus. Ela não me viu e foi embora. Eu jamais imaginei que essa seria a última vez que a veria. Não lembro quando foi que trocamos nossas ultimas palavras, nem sequer quais foram..

Agora ela se foi. Vejo postagens na internet se despedindo, e lembro que a primeira que eu li me fez pensar ¨ela deve estar trocando de curso, ou quem sabe mudando de cidade¨, mas tinha alguma coisa errada. Fui procurar e encontrei.

Eu não sei o quê aconteceu, tampouco compreendo por inteiro por que me sinto agoniada. Talvez pelo fato dela ser tão jovem, tão cheia de vida, mas no fundo todo mundo é. Uma morte sempre é algo que toca a gente de diferentes maneiras. Talvez pelo fato de não tê-la feito me ver aquele dia, quem sabe trocássemos palavras importantes. Talvez por que eu convivi cinco noites por semana com essa estranha que agora já não existe mais. Não mais aqui, ao menos.

Para ela eu fui uma estranha também, não tínhamos laços de afeto algum. Mas mesmo assim, agora ela me rouba lágrimas que nascem por conta própria.

Quais eram seus sonhos? Seus medos? Seus defeitos e qualidades? Quando e com quem foi seu primeiro beijo? Quais os lugares que ela queria conhecer? Sua música favorita? Sua lembrança mais feliz?

Eu nunca perguntei, e tudo bem, não éramos amigas. Mas isso não muda o fato de todas as respostas existirem.

Sua vida se foi como uma vela que se apaga com um vento e depois vai liberando fumaça por toda a volta. Quantas pessoas ela pode ter tocado nessa existência? Quantos corações ela pode ter abraçado? Tudo isso nos define. Tudo o que nos envolve nos molda pra sermos quem somos.

E parece tão doloroso se despedir de alguém assim.. Ela pode ter sido uma pessoa incrível, desconfio que tenha realmente sido. Por que mesmo não estando mais aqui, fisicamente, ela conseguiu me fazer refletir. Pensar na vida e em tudo o que ela simboliza, tudo o que ela abrange e como é infinita ao caber em um simples sopro de vela.

E no final disso tudo, a única coisa que se passa na minha cabeça é: o que eu estou fazendo da minha vida? Será que estou vivendo da maneira intensa que sempre quis? Ou será que apenas estou me deixando ser abraçada e moldada pelos dias e pela rotina?

Quando minha chama for apagada será que vou ficar feliz com as imagens que a fumaça vai formar nas réstias de luz que entram das janelas da vida?

Obrigada, estranha... dei um passo que você me motivou a dar.

De todo coração, eu realmente espero que você esteja em um bom lugar.

Thais Piccolo
Enviado por Thais Piccolo em 03/01/2019
Reeditado em 03/01/2019
Código do texto: T6542142
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