Projeto
Por muito tempo, por questões estruturais da minha individualidade, nunca me observei enquanto obra construída, pela cultura, pelo preconceito, pela educação escassa de percepções além do sofrimento de ser quem sou e da fuga da dor ao sentir-me aquilo. Entojo, resto, descarte de uma esperança além da minha vontade, projeção do fracasso dos fracassos - necessários e além de mim -.
Algo nasceu no momento que meu corpo e minha mente sucumbiram ao total desajuste entre minha ideia e minha existência, quando duvidei da minha própria substância, quando o cavalo branco galopou ao meu encontro, quando o fim tornou-se opção. Sim, foi preciso quebrar a minha consciência da realidade como espelho cujo reflexo eram as lembranças e experiências que me fomentaram por todo aquele ciclo. Rompi, desisti, me vi absorvido pela tempestade, nuvem em choque - distante do chão, inseguro, instável - aceitando aproveitar a paz da queda livre como chuva, chuva de lágrimas. Concebi ali o estalo, aquele susto do desequilíbrio ao cair no sono, sabe? Cruzei um limite - eu quero viver, quero entender -.
Me senti como uma quimera das quais as partes são essências de outros monstros que me destruíram de dentro pra fora. Versões abstratas de mim. Vontades de um, preconceitos de outro, reprodução massiva impensada, busca incessante daquilo que eu tanto desprezei pelo aparente prazer de ser aquilo que eu não pretendia ser, mas era como o humano desejável por uma sociedade que te julga pelas suas percepções e não pelos seus saberes. Eu, sem valor? Que valor? Valor comprado? Quem me valora é a sociedade ou a minha ética? E você? Amor ou capital? Jesus ou dólar? Compaixão ou o caixão? Beleza em si ou o belo vendido por papéis que valem mais que a suas sinapses de consciência? Eu renasci.
Olha meu projeto de ser humano. Olha o quanto eu mudei. Me destaquei, não nas aparências, não nas exigências de consumo, mas na ética, no comportamento real, recuperei minha essência e produzo alguém cuja beleza pode ser vivida, não comprada, não fingida. Olha o que eu ofereço. Não numa perspectiva de pensar que sou melhor, mas diferente. Diferente do cardume que nada nesse mar de lixo cultural onde ainda sou obrigado a forçar braçadas, onde puxo o ar e absorvo o lodo que meus pulmões não estão mais adaptados a processar. Quero nadar com todo meu intelecto pra fora dessa massa de mentiras. Mas não quero fazer isso sozinho. Quero alguém pra ir comigo, não me deixar fraquejar e saber que farei o mesmo. Alguém que cultive em você os valores apresentados por ambos em sua posição de companheirismo e lealdade. Alguém que compartilhe por você o mesmo amor que você desenha, nem utópico nem aparente, ideal para cada um nessa atmosfera de vidro.
Sou culpado. Sou um em um milhão a perceber a reprodução dessa imundice que é nossa sociedade, vergonhosamente sabendo que faço parte dessa merda toda. Esperançosamente caçando uma saída nesse labirinto de imagens, cavando - custando a carne dos dedos - caminho para o mundo do saber.