Amor superficial

Imaginei esses dias um amor perfeito, um amor fácil e fluido, um amor cujas alegrias vem em forma de sorrisos diários e palavras - como canta Rogério Flausino - de um futuro bom. Pensei no quão fácil é dizer "eu te amo" sem ter noção do que é amar, em como essa afirmação tornou-se rasa, pobre, sem sentido para uma geração cada vez mais preocupada com as aparências - de sucesso, de felicidade - do que com os significados. Imaginar e pensar o amor é simples, romântico tanto quanto superficial. Agora, amar? Pessoas são profundas, são camadas de estruturas de defesa, são essências de si mesmas muitas vezes soterradas. Nesse sentido, quando encaramos essa percepção e vemos o desafio que é se conectar verdadeiramente com alguém, que é preciso além de empatia, mudanças em nós mesmos, desistimos.

Quando apaixonados, estamos temporariamente dementes. A parte superficial é a mais gostosa, paixão, como aquelas drogas de efeito rápido em que viciamos e com o tempo não temos mais o efeito maravilhoso que nos acostumamos. E queremos mais. Mais. Na expectativa e nas projeções daquilo que o outro pode nos oferecer, mantemos uma conexão pautada em superficialidades. Decepção, frustração, a química acaba. Falhamos.

Porque é difícil amar. Amar alguém cuja realidade está na carne - marcada com ferro em brasa - e não nos sonhos, com defeitos, com manias, com medos e traumas, assim como nós. Por mais que tenhamos expectativas, uma pessoa real não está para nos satisfazer, está para ela e por ela... e precisa estar. Quando pensamos na possibilidade de amar alguém sem exercer o amor próprio, nos enganamos, assim como também o fazemos ao pensar em amar sem entender que é uma construção com base no hoje e não nas expectativas do que virá a ser. É preciso, então, além do amor próprio para reconhecer-se na relação e estabelecer os limites de identidade, o interesse em entregar ao outro a oportunidade de também fazê-lo para que haja confiança e intimidade para se enxergarem inteiros. Assim sendo, quando o outro não está em sintonia com seus sentimentos e paixões ou quando entramos em conflito e perdemos a equivalência entre os desejos é muito mais difícil, penoso, trabalhoso edificar o amor.

Entendimento de si é estrutural. Amor próprio é necessário, como dito anteriormente, para limitar a identidade dentro do relacionamento. Tais limites devem ser estabelecidos em prol da individualidade, entender que somos inteiros naquilo que é vital para nossa própria felicidade e que o outro não completa, ele complementa, transborda, força nosso o potencial daquilo que faríamos sozinhos para além. Porém, quando decidimos fundar uma vínculo, também é preciso enxergar outros pontos em nós mesmos, aquilo que podemos ceder a favor de uma percepção comum de vida a dois. Enquanto conjuntos de contingências, a intersecção é o campo das maravilhas que podemos proporcionar um ao outro.

Nessa perspectiva, é importante o diálogo, mas constantemente caímos na falácia de acreditar em comunicação somente com o outro e comumente trabalhamos com aparências, percepções evidenciadas pela experiência, mas não entendidas na fonte. É necessário estabelecer conexão interna, com nossa essência - medos, desejos, motivações ou falta delas - para se mostrar de verdade para o ser que pretendemos amar, para sermos reais e termos o entendimento do que é alguém real. Nesse momento, podemos acessar aquilo que talvez tenhamos esquecido, falamos o nome, em nome, porém não assumindo o significado - os amores.

As possibilidades são muitas, desde que estejamos verdadeiramente abertos. Um café bem feito entregue em mãos, uma mensagem escrita com sua melhor caligrafia, uma piada boba - muitas vezes com graça só pros dois - com intenção de melhorar o dia de alguém, um beijo na testa - um pouco demorado, quase como uma oração - onde nenhum outro ser nos mundos vai entender o abrigo que você está propondo. As digitais conversando com a pele do ser amado aliviando o tempo como o vento sereno da manhã daquela praia que vocês sonham em aproveitar, a refeição feita a quatro mãos de um jeito meio desengonçado - nas panelas erradas e fazendo uma sujeira só -, a cama cuja intimidade mora não somente no sexo, mas também nas dores ali choradas, nos abraços quentes de carinho, na empatia ali construída. A ajuda com os problemas cujas as soluções são penosas para um, mas tranquilas para dois, o abraço forte no final da rotina estressante - Eu estou aqui e eu te amo -.

Pedro Henrique Miranda
Enviado por Pedro Henrique Miranda em 06/12/2018
Reeditado em 07/12/2018
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