POLITICAMENTE CORRETO: VIRTUDES E ENGANOS

A judicialização da palavra é uma técnica infalível de reafirmar preconceitos, intolerância e, no limite, a violência.

É premente o debate sobre os discursos de ódio, embora haja o risco de vulgarizar a expressão e, assim, destituí-la de sentido. Tais narrativas, afinal, estão dando torque ao que se pode chamar "a premissa do nós contra eles". E é importante lembrar que tal fenômeno está presente em todos os lados, em todas as camadas da sociedade. O "politicamente correto" (para usar o termo mais inteligível, mas infelizmente, também distorcido) tem sua beleza, na medida em que denota um cuidado - de si e com os outros -, mas ele é raso porque trata a subjetividade como um sucedâneo natural e unívoco da palavra. No entanto, entre o pensamento e a palavra existe uma dialética, uma via de dupla influência, de modo que, assim como aprisionar um criminoso não assegura sua re-socialização, interditar um preconceito a partir da palavra não assegura seu extermínio. O preconceito demanda tempo para se construir e um contra-investimento que exija um "ir ao encontro do que se teme" e estabelecer contato com isso para se dissipar. Suas raízes são tão profundas - e atavicamente presentes nos seres humanos, até em quem tem preconceitos e admite intolerância e violência contra pessoas preconceituosas - que a simples adaptação linguística não indica uma mudança de pensamento. Ideologias são construções e construções têm alicerces. Combater os vocábulos é importante, mas definitivamente não reorganiza a natureza das coisas. Assim como dipirona, o "politicamente correto" é um ótimo meio de conter uma febre e um recurso virtualmente inútil para se encontrar a causa da infecção. Acreditar que essa luta se vence, por exemplo, com a extinção dos signos, dos ditames, é absolutamente pueril e pode ser comparado ao caso de um arquiteto que argumenta que pintar um castelo por fora fará suas bases serem refeitas ou com o de um motorista que, tomado de grande preocupação, se limita à revisar as luzes internas de seu veículo como forma de iluminar a pista, escura, sinuosa, e escorregadia, pela qual realizará uma viagem. Não defendo o fim do "politicamente correto", mas uma ressignificação para que novas estratégias, mais efetivas, possam fazer o papel que lhe instituem: o de agir nas raízes do que nos afasta da humanidade. Ao politicamente correto, o reconhecimento de grandes conquistas e o agradecimento por ter lançado luz sobre o debate entre excluídos e opressores. Agora é preciso mais: é o momento de extrapolar o campo do dizer e do não-deixar-dizer e começar a pisar no terreno desconhecido para o exemplo ser dado. E o exemplo é: àqueles que temem fazer contato, oferecer caminhos e convites para um jantar.