Artíficios de um leitor
Não raras vezes, durante a leitura de um livro, ao encontrar dificuldades para entender as idéias nele expostas, ou ao me ver com a atenção dispersa, dou-me a sugestão: Eu sou o autor destas palavras. E imagino-me, então, as expondo para um público, ou para eu mesmo, como se me houvessem aflorado à mente no mesmo instante em que as leio, e assim consigo concentrar-me na leitura. Ao ler um discurso de Demóstenes, imagino-me, na Atenas de trezentos anos antes de Cristo, falando para um público numeroso; ao ler textos de Rui Barbosa e de Joaquim Nabuco, imagino-me, no tempo do Império, na tribuna do Senado, ouvindo-me um público encantado; e ao ler ensaios, os quais seus autores apresentaram, numa Universidade, ou para alunos, ou para outros estudiosos, imagino-me no lugar daqueles; e imagino-me, ao ler os diálogos de Platão, no papel dos personagens principais e empresto a cada um dos meus interlocutores uma figura grega. E assim, usando de tal artifício, concentro-me na leitura, e apreendo as idéias dos livros à cuja leitura me dedico.