Memórias para um elefante roxo
Não basta saber ler que 'Eva viu a uva'. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.
Paulo Freire
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O DIÁLOGO COMO PARADIGMA
O diálogo é conceito-chave e prática essencial na concepção freireana. Paulo Freire comenta seu entendimento a respeito do diálogo: “para pôr o diálogo em prática, o educador não pode colocar-se na posição ingênua de quem se pretende detentor de todo o saber, deve, antes, colocar-se na posição humilde de quem sabe que não sabe tudo, reconhecendo que o analfabeto não é um homem perdido, fora da realidade, mas alguém que tem toda uma experiência de vida e por isso também é portador de um saber”.
(Paulo Freire, in Moacir Gadotti, Paulo Freire: Uma Biobibliografia, 1996.)
Para Freire, o diálogo não é apenas um método, mas uma estratégia para respeitar o saber do aluno que chega à escola.
Ele ilustrou essa concepção, durante conversa com Sérgio Guimarães (Sobre Educação: Diálogos, vol. 2, p. 77), lembrando um fato que ocorreu com ele na periferia de Belo Horizonte, numa comunidade eclesial de base, quando a Secretaria de Educação do Estado ali realizava uma ampla consulta chamada Congresso Mineiro de Educação.
Pergunta de um adolescente presente:
“Nunca nos perguntam sobre o que queremos aprender. Pelo contrário, sempre dizem o que a gente deve estudar.”
Resposta de Paulo Freire:
“O que é estudar?”
Reposta do adolescente:
“Em primeiro lugar, não se estuda só na escola, mas no dia-a-dia da gente. Dois homens iam numa camioneta carregando frutas. De repente se defrontaram com o atoleiro. O que dirigia parou a camioneta. Desceram os dois. Tentaram conhecer melhor a situação. Atravessaram o atoleiro pisando de leve o chão sob a lama. Depois, discutiram um pouco. Juntaram pedaços de galhos secos e pedras com os quais forraram o chão. Finalmente, atravessaram sem dificuldade o atoleiro. Aqueles homens estudaram, Estudar é isso também.”
Paulo Freire concluiu, então, que os alunos, quando chegam à escola, também têm o que dizer e não apenas o que escutar.
“A forma radical de ser dos seres humanos enquanto seres que, refazendo o mundo que não fizeram, fazem o mundo, e neste fazer e refazer se re-fazem. São porque estão sendo.”
(Paulo Freire, palestra no Simpósio Internacional para Alfabetização, Persépolis, Irã, 1975.)
“Não basta saber ler mecanicamente ‘Eva viu a uva’. É necessário compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir uvas e quem lucra com esse trabalho.”
(Paulo Freire, in Moacir Gadotti, Paulo Freire: Uma Biobibliografia, 1996.)