TUDO POR DIZER
Sou basicamente a interlocução entre sons e silêncio. Ouço meus passos sobre a madeira que range e tento entender o ruído daquela incômoda acomodação do piso. Noutro cômodo, a máquina de lavar chacoalha uma peça de seda e depois centrifuga-a girando freneticamente. A chaleira sua e gotículas d'água quente escorrem avisando o limite de aquecimento. Passo um café fresco que escorre lentamente até a xícara, liberando um aroma inigualável. Ouço meu corpo. A deglutição do líquido se faz não sem antes espalhar-se pela boca molhada. Caminho de um lado a outro com o piso rangendo atrás de mim. Por vezes me parece um bicho mastigando algo. São meus pensamentos remoendo ideias. Sento-me à janela e o vento sopra por entre a pequena fresta entreaberta. O sopro soa como nas histórias de terror. Terríveis mesmo são minhas digressões. No ápice de meu devaneio, a lava-roupas irrompe um alarma curto e tecnológico: serviço pronto. Recolho a peça e estendo-a. Torço para que não tenha encolhido e ainda caiba nos limites de meu corpo. De volta à sala, percebo que também está em silêncio a orquídea. Suas flores me encaram como a inquirir sobre o sentido da vida, enquanto olho para sua explosão de beleza me questionando como ela ainda vive.
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