Devaneios - Conversa com amigo imaginário
Quero primeiramente pedir-lhe desculpas pela falta de notícias nos últimos tempos. Meu casamento veio a falecer poucos dias depois de nos falarmos pela última vez não sei ao certo quanto tempo depois, e eu meu amigo, encontro-me hoje numa depressão incrível.
Ah! Meu querido amigo, acredite-me! Nada já me encanta, tudo me aborrece, me nauseia. Os meus próprios raros entusiasmos, se me lembro deles, logo se evaporam, pois, ao medi-los, encontro-os tão mesquinhos, tão embrulhados... quer saber? Outra noite, em minha cama, antes de dormir, eu divagava. E era feliz por momentos, entressonhando a glória, o amor, os êxtases..., mas hoje, já não sei com que sonhos me robustecer.
Pensei nos maiores... eles próprios me fartaram: são sempre os mesmos, e me é impossível achar outros...
Depois, não me saciam apenas as coisas que possuo, aborrece-me também as que não tenho, porque na vida, como nos sonhos, são sempre as mesmas. De resto, se às vezes posso sofrer por não possuir certas coisas que ainda não conheço inteiramente, a verdade é que posso averiguar o seguinte: Meu Deus! Se as tivesse, ainda maior seria a minha dor, o meu tédio... De forma que “gastar tempo” é hoje o único fim da minha existência deserta.
Se vivo, numa palavra, creia-me; é só para consumir instantes. Mas dentro em pouco, pressinto, isto mesmo me saciará. E o que fazer então? Não sei...
Ah! Que amargura infinita...
Meus pensamentos meu querido, estão constantemente tumultuados, com grandes ânsias, estrepitosas ideias.
Dentro da vida prática, creio nunca me situei. E nem mesmo cheguei a entrar nunca na vida, na simples Vida, com V maiúsculo, na vida social se prefere. É curioso: sou uma pessoa isolada que conhece meio mundo, uma desclassificada que não tem uma dívida, uma nódoa, que todos consideram. Com efeito, nunca me vi “admitida” em parte alguma. Nos próprios meios onde me tenho embrenhado, não sei porque, senti-me sempre uma estranha...
Enfim, para me entender melhor: esta sensação é semelhante, ainda que de sentido contrário, a uma outra em que provavelmente ouviste falar (que talvez mesmo conheça), a do já visto. Nunca lhe sucedeu ter visitado pela primeira vez uma terra, um local, e, numa reminiscência longínqua, vaga, perturbante, chegar-lhe a lembrança de que não sabe onde nem quando, já esteve naquela terra, já contemplou aquele local?...
É possível que meu amigo não atinja o que há de comum entre essas duas ideias. Não sei te explicar, contudo pressinto, tenho a certeza que essa relação existe.
Só posso viver nos grandes meios. Quero tanto ao progresso, à civilização, ao movimento citadino, a atividade febril do nosso tempo.... Porque no fundo, eu amo muito a vida. Sou toda de incoerências. Embora esteja vivendo desolada, abatida, parada de energia, eu admiro a vida, como creio ninguém nunca a admirou!
Não pode imaginar, Renato, como a sua intimidade me encanta, como eu bendigo a hora em que nos encontramos. Antes de o conhecer, não lidara eu senão com indiferentes, criaturas vulgares que nunca me compreenderam, muito pouco que fosse. Meus pais me adoravam, mas por isso exatamente, ainda menos me compreendiam.
As nossas conversas creio eu, foram sempre bem mais conversas de alma, do que simples conversas de intelectuais. Creio ter encontrado pela primeira vez chegar-lhe a lembrança de que não sabe onde nem quando, já esteve naquela terra, já contemplou aquele local?...
É possível que meu amigo não atinja o que há de comum entre essas duas ideias. Não sei te explicar, contudo pressinto, tenho a certeza que essa relação existe.
Só posso viver nos grandes meios. Quero tanto ao progresso, à civilização, ao movimento citadino, a atividade febril do nosso tempo... porque no fundo, eu amo muito a vida. Sou toda de incoerências. Embora esteja vivendo desolada, abatida, parada de energia, eu admiro a vida, como creio ninguém nunca a admirou!
Não pode imaginar, meu caro amigo, como a sua intimidade me encanta, como eu bendigo a hora em que nos encontramos. Antes de o conhecer, não lidara eu senão com indiferentes, criaturas vulgares que nunca me compreenderam, muito pouco que fosse. Meus pais me adoravam, mas por isso exatamente, ainda menos me compreendiam.
As nossas conversas creio eu, foram sempre bem mais conversas de alma, do que simples conversas de intelectuais. Creio ter encontrado pela primeira vez efetivamente, alguém que saiba descer um pouco aos recantos ignorados do meu espírito, os mais sensíveis, os mais dolorosos para mim.
Bem meu amigo, creio seja hora de parar com esses devaneios.