BILHETES
Eu escrevi bilhetes de amor. Escrevi linhas que falavam da minha angústia e do meu desespero. Escrevi cartas com mentiras e verdades, tentando aproximar o meu eu da minha razão. Eu fui fundo nas palavras dos bilhetes não lidos. Esquecidos na porta da geladeira. Como aquele que avisava para desligarem o fogo do feijão antes do incêndio consumado. Eu escrevi bilhetes conotativos com ideias desencontradas e palavras sem sentido, cujos significados desconotativavam o resumo da história. Escrevi bilhetes sem memórias ou lembranças. Sem esperanças, sem pudores. Falava dos meus amores como falo de futebol. Escrevi bilhetes não posta¬dos, esquecidos nas gavetas e escaninhos de um cérebro em colapso. Fui relapso, preguiçoso, fui fugaz.
Recebi bilhete azul me apontando a porta da saída. Na hora da despedida um bilhete de apoio e consolo. Li bilhetes de artistas nos versos das canções. Bilhetes de corações apaixonados. Cartas quilométricas desconsiderando a distância entre seus destinatários. Bilhetes com relicários e um passado no papel. Bilhetes de uma vida, uma encarnação não lembrada, nas sessões de regressão, no divã de um analista. Um que veio do florista com as rosas vermelhas e amarelas. Este estava perfumado. Bilhetes deixados na mesa, nos correios, no caderno ou no bolso. Bilhetes, bilhetes, bilhetes, que teimo em ler ou escrever com a caneta já falhando. A tinta acabando no bilhete que deixo agora supurando a ferida. Não conto a minha história, só me despeço da vida.