Você sonha ou reproduz sonhos?
Podemos aprender. Vamos aprender. Aprender a dar valor ao que vivemos e não ao que temos medo de vivenciar. Expectativas das paixões, não das razões. Precisamos entender o movimento das nossas emoções. Medo, insegurança, raiva, desespero, angústia, sejam de fontes coletivas ou individuais, ou ambas, precisamos aprender a lidar. Pensamos que nossos sonhos sobrevivem só conosco.Não valem a pena. Subestimei o que me fez feliz no agora… E arruinei meu coração. A felicidade só importa se é compartilhada com quem nos importa, com quem amamos… e o que eram esses sonhos? O que são nossos sonhos? E medos? Podemos entender isso.
Nossa imaginação é gatilho das memórias, que são instrumentos dos afetos, paixões, e nos dominam. É preciso aprender a esquecer aquilo que nos diminui a partir de nós mesmos. É preciso aprender a imaginar esperança, imaginar coragem, imaginar respeito, imaginar compaixão, imaginar alegria… imaginar o amor, paixões que nos impulsionam para o melhor de nós. E sabemos como é, mas algumas imagens e memórias são mais fortes que as outras e sabendo disso, podemos produzir outra que nos reeduque, individualmente e/ou através do professor, da educação. É mais fácil falar do que dizer, certamente. Eu particularmente tenho medo de barata, tenho memórias terríveis com essa criatura imunda, asquerosa, nojenta e veloz; mas ainda não consegui produzir nenhuma imagem tão potente quanto essa que me faça mover outra paixão além de medo ao lembrar desse demônio mal cheiroso e que voa na minha cara.
Nesse sentido, eu tive medo… medo do incerto… medo daquilo que mais me aterroriza desde sempre… medo da solidão, do abandono, de não ter valor. Produzindo imagens baseadas em medo;e a imaginação é algo potente, te move tanto ao mais terrível asco quanto ao mais solene prazer -, me afastei do chão firme presente e abusei da qualidade de um futuro que eu nunca realmente quis… aprendi a querer. Nisso, não dei valor ao que tinha, não dei valor ao que poderia ter, não dei valor ao que eu poderia construir a partir dali. Produzi imagens que moviam prazer, esperança, mas não baseado naquilo que vivia, mas naquilo que esperava viver. Por exemplo, casar; a imagem de uma festa, com amigos e família, brindando a união do casal após cerimônia religiosa, felizes e ouvindo histórias engraçadas. Romântico. Interessante pois produz prazer pra maioria —horror para alguns –, imagem facilmente produzida pois está culturalmente incutida em filmes, religião, família… mas é uma imagem! Intencionalmente produzida! Por quem e com quais objetivos? Assim como a que nos é vendida também através da nossa cultura homofóbica que a relação entre pessoas do mesmo gênero é algo errado, para alguns repulsivo, e mesmo sem experienciar julgamos e quando imaginamos somos afetados, somos levados emocionalmente e não racionalmente ao mal, ao preconceito, ao medo, ao ódio. Temos imagens e não conhecimento, afinal se eu conseguir que a verdade sobre algo esteja somente na imagem, no discurso e não do que é de fato experimentável, posso fazer qualquer um acreditar em unicórnios, no boto rosa, etc., manipulando assim através de ignorância e produção de imagens a sua perspectiva da realidade.
No entanto, imagens são necessárias para produção de cultura e valores. Como dito anteriormente, elas são ferramentas para gerar memória, aprendizado, cultura e através da memória podemos movimentar os afetos. A educação emocional é algo que não tive, nem em casa, nem na escola. Como não sentir medo de abandono? Como não sentir ódio? Como não ser racista, homofóbico e machista numa sociedade que estruturalmente nos produz o que devemos imaginar para que o sejamos? Citando Espinosa “O conhecimento é o mais potente dos afetos”, é o que pode mover pra lá e pra cá no espectro dos extremos todos os outros. Uma criança que sofre abuso emocional em casa com certeza cria imagens de mundo diferentes de uma que tem bons pais sobre o que é uma família feliz, do que é família e o que é felicidade; são afetadas de forma diferente por cada uma das memórias que tem. O pai ou mãe pra um é motivo de medo, tristeza, raiva e pra outro amor e carinho. É papel do educador, sejam os pais ou professores, identificar esses afetos, suas fontes e através do conhecimento e retórica direcioná-los para um ponto saudável.
E quando adultos? Com a falta de estrutura familiar e educacional, viramos reféns das experiências traumáticas, da potência absurda das nossas paixões e da ignorância. A falta de conhecimento daquilo que objetivamente nos faz bem ou mal é o que nos torna tão suscetíveis às movimentações das paixões. Perdi pessoas importantes, no sentido literal e puro —de quem importei valores, importei conhecimento, importei parte daquilo que sou hoje, importei amor -, por ignorância, com medo das imagens dela entendidas. Por isso hoje procuro entende-las, por isso busco a filosofia. Nossa sociedade é composta por imagens e nós também. Como vamos nos imaginar? Como vamos construir um campo imagético tão real quanto a realidade já vivida e não produzida por outros, em outros tempos, em outras vidas. Somos figuras de nós mesmos, mas também somos nossa realidade esculpida na própria carne. Qual imagem fazemos de nós?
Devemos refletir sobre isso. Permitam-se conhecer. O que você quer é o que realmente você deseja? Seus sonhos são teus ou te ensinaram através da cultura que deveria tê-los? Você sonha ou reproduz? Precisamos criar sonhos próprios, ligados sim a imagens, mas do real, do presente, daquilo que nos toca e nos seduz no agora, do sorriso dado hoje, do banho amoroso do casal, das momentos descontraídos com nossas famílias, da presença. E como eu disse inicialmente, não vale a pena sonhar sozinho, pois o amor e as coisas boas podem ficar pra trás, na realidade que já passou.
Escrevo esse texto afetado pelo medo do retrocesso que poderemos sofrer na nossa educação, pela ignorância endêmica produzida por ela que já é muito precária em diversos sentidos, principalmente para o povo pobre.
Tenho esperança de ajudar alguém com essas palavras.