Memórias

Lembro-me de algumas coisas de minha infância, lembro-me do odor de saudade que vinha acompanhado de um riso simples e humilde de minha avó, coisas boas e marcantes. Lembro-me também de uma determinada parte que não lembro direito, uma parte que parece ter sido bloqueada por algum motivo, meu inconsciente deve ter travado uma batalha, tal batalha deixou algumas cicatrizes. Resíduos de tortura física e psicológica, pois vagamente recordo-me de um momento: Estava brincando com um “fusca”, vermelho, de policial, era de plástico e não emitia qualquer som, era extremamente “mecânico”, apenas a imaginação era responsável por criar policiais e possíveis “bandidos”, a brincadeira era sadia e simples, mas bruscamente alguma coisa aconteceu não me lembro de mais nada. Partindo disso lembro apenas de agulhas, soro, enfermeiras, médicos e roupas brancas, uma agonia profunda e desespero total, lembro-me do meu irmão mais velho aparecer e trazer o fusca, não sei por quê, mas comecei a chorar sem motivo aparente, talvez sensível, podia até ser meu interior querendo resgatar o que teria acontecido, não sei... já busquei respostas, nunca me deram, alguns relances de memórias contadas, no sussurro dos lábios daquela que sempre trouxe um riso para me confortar: “-Ele não merecia ter passado por isso, ele nem sabe porque esta aqui, ele, ele, ele...”

Ele hoje, sou eu, tenho uma lacuna vazia entre meus cinco e sete anos. Lembro-me que depois disso só sofrimento, pagando por um erro que não cometi, servi de justificativa para brigas e violências, sofri muito e ainda sofro algumas vezes na tentativa exaustiva de recordar... talvez esse vazio seja onde meus piores pesadelos e demônios se escondam para que eu não repita instintivamente o erro que não cometi, “o erro por ter nascido”, palavras de minha mãe...

Leandro Correa Lima
Enviado por Leandro Correa Lima em 09/10/2018
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