Caos e Desespero - ato 01

- Qual o seu nome?

- Meu nome é caos, mas pode me chamar de amor.

- Eu senti um cheiro de náusea quando você chegou, mas imaginei que pudesse ser a poluição que está dia após dia mais densa...

- Você sempre concretiza suas sensações se baseando em fatos?

- E o que é a vida senão um constante acúmulo de fatos que se repetem e provocam mais atos que mudam os fatos?

- você se acostumou a responder perguntas com outras perguntas para ganhar tempo e tentar organizar a sua confusão mental?

- bem, me parece que o caos ironiza a própria existência quando menciona ideias sobre organizar a mente...

- e me parece que você, desespero, sente como a angústia quando colocado em seu limite mais extremo, não é mesmo meu jovem?

- Jovem?

- Absolutamente. Antes do desespero, antes da angústia, antes do medo, eu sempre estou lá como uma nuance calma e sublime, exatamente como uma leve brisa marítima. Vocês gostam e se acostumam. Mas então o vendaval súbito caótico vem e leva tudo e todos para as profundezas de suas mentes. Eu sou um ancião, desespero. Você e seus irmãos são meros juvenis.

- Não questiono suas prerrogativas, apenas analiso sua rotina. E ela me parece bastante previsível. Acho que você, caos, você está passando por uma fase nauseante e inconclusiva. Me lembra bastante um adolescente. Um juvenil sem ideais, apenas com abstrações irreais.

- ora, ora, ora, então o desespero me parece que sofreu algum trauma que o levou para a fronteira de gelo onde a compaixão foi viver há alguns bons anos. Lembre-se que a essência do desespero não está associada a análises de rotina, o desespero não pavimenta qualquer caminho para que alguma análise seja construída. O desespero apenas decompõe toda a racionalidade que foi contaminada pelo raciocínio corroído pela umidade do ser.

- O que você quer dizer com seu apelido?

- Alguns chamam de apelido, outros parecem não se importar. Eu na verdade não me interesso muito se os seres me chamam de amor vez e outra, eu só me importo com a destruição de almas, e acho que o meu apelido exerce bem essa função. Algo definitivo. Eu trabalho com fatalidades materializadas em obras definitivas.

- O meu conflito com você caos, certeza que o meu conflito com você só pode ser porque quando tenho certeza de que você está lá eu não tenho escolha. Não tenho fuga. Eu posso correr em círculos pela garagem porque as portas não vão se abrir. Eu sei que vou andar de metrô lotado mas ele sempre estará vazio. Eu vou perder minha energia e meu fôlego e você continuará lá com toda a sua pose e com a sua esposa, a paciência, fumando um tabaco indiano e aguardando com esse sorriso safado por entre os dentes dourados. Entro em conflito e me torno agressivo, mas no final das contas apenas a minha essência de desespero é o que consigo expor.

- Gosto do jeito como você fala, desesperadamente emotivo, neurótico e perdido. Esse é o meu desespero favorito. E sabe o porquê?

- odeio admitir e imagino o motivo de sua pergunta retórica, mas prefiro manter meu silêncio desesperador.

- Porque eu vejo todo o meu projeto se concretizar na forma de desconstrução. Os resultados estão sendo excelentes na última década! Mal posso esperar a reação do público no próximo filme do lars von trier.

- O caos se organiza em projetos?

- O caos nunca se organiza. Os projetos saem da mesma maneira que você organiza seus sonhos. Você não os define, eles definem você.