A (UMA) DOR ELEGANTE

Dor elegante

Um homem com uma dor

É muito mais elegante

Caminha assim de lado

Com se chegando atrasado

Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor

Como se portasse medalhas

Uma coroa, um milhão de dólares

Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos

Não me toquem nesse dor

Ela é tudo o que me sobra

Sofrer vai ser a minha última obra

(Paulo Leminski)

Muitas vezes tenho presente que não sou bem quisto. Digo isto, não por ressentimento. Mas, sim, por ser verdade. Afinal, quem quer ser bem quisto, deve se fazer disponível àquilo que é de comum afeto. Que poderia ser algo afeto a uma boa música sertanejo/pop/brega, por exemplo, de matiz voltada ao amor incondicional à tudo que se mostra de menor intensidade emocional.

Ou mesmo, a quinta de Beethoven, um clássico que se faz presente em todos os jingles publicitários que se presem. E, por tal epíteto, chegar e sair assoviando a quinta sinfonia de Beethoven, traz garantia de se encontrar alguma simpatia entre viventes.

Não! Por maldição ou alento, com um custo social imenso, tenho sentimentos inquebrantáveis pela nona de Beethoven. Adoro tudo o que está próximo a Bill Evans. Tenho um amor incomensurável pelos poetas malditos, a ponto de sair de madrugada em Porto Alegre, para poder ficar sozinho em frente ao prédio rosa, em que morava Mario Quintana. Abraçar a estatua de Fernando Pessoa, como se fosse um velho conhecido, em Lisboa, próximo ao Café Brasileirinho, que é como eu me lembro disso. De ficar no centro de Curitiba, próximo a praça do relógio, imaginando Paulo Leminski a flanar por aquele bar que frequentava. O mesmo que serve o tal filé sujo. De em Londres, quase ter uma espécie de choque anafilático, ao me deparar, quase do nada, de inopino, com o Globe Theatre, e ficar parado lá, numa escadinha, de frente, pensando em Sociedade dos Poetas Mortos, por causa da cena em que é encenada Uma Noite de Verão.

E nesse aspecto, nada de aveludado se perfaz em minha vida. Quase aquela poesia de Carlos Dummond de Andrade, quando fala do anjo caído. Notem: o Direito é meu meio de vida. Mas, logo eu fui amar a Teoria da Justiça. O que de mais antissocial pode existir que um estudante de Direito que ama a justiça.

Quem ainda diz: que mais vasto que o mundo é o meu coração. É o mesmo que se tentar discutir o sentido do Direito, longe de um panorama normativo previsível. Convite certo à solidão. Verdade maior. Como ficar sozinho ao elucidar a hipótese metodológica da viabilidade jurídica da norma hipotética fundamental. Ignorado matrix kelseniano, em que a disfunção entre o ser o dever-ser, abstrai nós todos, da realidade concreta da dor física causada pela injustiça.

Quase todos os seres viventes que vagam nos corredores dos ambientes jurídicos terão prazer em evitar essa estranha figura que acredita no caráter alográfico do Direito.

Esse ser que escreve em defesa do sofrimento incompreendido de se tentar entender, num domingo à tarde, a razão obtusa (para mim), daquilo que Chaim Perelman explica.

Por tudo, essa dor elegante que pulsa, solitária e solidária à crença de que não há esperança de qualquer contato humano para o ente pensante desse meu ser autêntico.

REFERÊNCIAS

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

PERELMAN, Chaim. De La Justicia. Université Libre de Bruxelles, 1945.