É Feia, Mas É Uma Flor
Eu me saí mal em crescer por dentro. Desabrochei e foi tarde, desemboquei e já era hora, desdobrei e nem vi quando. Sempre foi tarde, mas sempre foi beleza presente em mim. Segui a vida no meu próprio curso enquanto as flores surgiam belas e tingidas em minha volta. Eu, um botãozinho miúdo, frágil, esmiuçado, nem sequer sonhava em levantar-me e dar flor. Deitava-me mais para dentro a cada vez que o sol batia, enquanto os girassóis voltavam suas grandes cabeças amareladas para a luz. Eu cheirava a terra molhada, enquanto as rosas exalavam um bom perfume adocicado. Por fim, quando floresci foi toda desengonçada. Tardiamente vieram as folhas amareladas, o caule fino e uma flor com pétalas tão desgrenhadas. Eu era nitidamente feia. Já se passara a primavera, os bondes surrupiaram a beleza da cidade. As grandes cabeças dos girassóis não mais achavam o luz na nuvem negra industrial que cobria o céu e o perfume das rosas era abafado pela fumaça dos automóveis. Sentou-se ao meu lado um homem com lágrimas nos olhos. Olhou-me com delicadeza e sussurrou baixinho "É feia, mas é uma flor".