Café
Fitando aquela água preencher o vazio daquela panela já um tanto enferrujada, me lembrei dos tempos de outrora, quando eu me assemelhava a uma pequena bolha de ar que se formava naquele recipiente em minhas mãos, algo ingênuo e transparente, sem medos ou irritações, porém, como uma bolha, brevemente algo iria incitar minha explosão. A água estava sempre calma, e mesmo quando era violentada, tendia novamente a seu equilíbrio, uma natureza bela e sem segredos.
Deixei a panela sobre as chamas e sentei-me para enamorar o fogo. Diferente da água, esse já era bem mais agitado, não conseguia encontrar um equilíbrio, desta vez, os sentimentos que atingiam minha cabeça eram aqueles que me orgulhava de não portar: raiva! Aquelas ardentes chamas me faziam lembrar dos momentos em que percebi que fui abandonado, tomado como marionete, comercializado com falsos sorrisos, eu, nada mais, apenas um tolo.
Com o auxílio de uma pequena colher, colhi um punhado de pó de café. Esse era diferente da água ou do fogo, cores fortemente escuras, inexpressivo, não se movia, era quieto, pensativo talvez, me lembrou a terra, forte e muitas vezes rígida, um punhado de grandes ou pequenos fragmentos consolidados, que, talvez, um dia fora menos fragmentado. A crise vem levada pela fantasia eufórica da inocência, o silêncio que fica ajuda a amadurecer, pois fortalece a consolidação.
Depois de pronto, vejo aquele café na pequena xícara, porém o que me chama atenção é o vapor que exala, cheiroso, que me empolga e faz-me com vontade de provar, não tinha uma forma certa e fantasticamente se expandia aos céus, desaparecendo, era leve e suave, agradável de uma maneira indescritível. Percebo que tudo faz parte de um todo maior, esse complexo de abstrações que chamamos de vida, momentos de inocência, raiva, tristeza e evolução, não tem regras e nem ao menos uma ordem para acontecer, talvez seja um ciclo que se repete ou talvez apenas algo retilíneo, um fato que se preserva é que, depois de tantas percepções, o sabor quente do café continua sendo saboroso.