O Monte

Imaginei-me sentado em um monte matutando sobre as águas que correm no riacho de outrora, existem tantos pensamentos aos quais poderia escrever, como o que seria um barco navegando contra a correnteza, tomando o riacho como a vida? Ou talvez o que poderia ser um peixe que vive em tal riacho, tomando-o como o tempo?

Reflito sobre o riacho, mas de meu monte existem outras belezas que minha mente pode alcançar, penso em grandes florestas com teus infinitos verdes, o cantar de pássaros voando entre as grandes e pequenas árvores e os mais matizados frutos espalhados como tesouros entre folhas.

És belo o pensar da natureza, simplório, porém belo, me conforta esquecer as complexidades do tudo e viver em devaneios sobre "Édens", agora deito-me em meu monte e encaro o vasto céu azul tingido com nuvens brancas, é ingênuo pensar em nuvens como grandes almofadas extremamente leves capazes de planar, chicoteadas pelos ventos, trilhando os altos até chorarem de dor, ingenuamente simples, porém a simplicidade quase sempre é acompanhada da beleza.

Pergunto-me se realmente devo levantar de meu monte, pois nele sou capaz de trafegar entre todo o intervalo do infinito, sou o herói e o vilão, aquele que vê e que sente, sozinho em corpo e consciência, livre dos turbilhões e perigos de afogar-me no rio de outrora. Levantar-me para encarar muitos que mal sabem como me chamar, ser laçado pelas mentiras e amordaçado pelo medo, forçado a velejar sozinho com um mapa esbranquiçado e uma bússola quebrada, continuar a protagonizar numa guerra entre tudo e todos, valores, crenças, ideologias e opiniões como armas e não como essências.

Seja refletindo em um monte ou correndo de lançadas, escorrego no tempo como um rapaz que deve andar, seguir para a direção que me for conveniente chamar de frente, sem armas ou vantagens, viver a jornada escolhendo suas trilhas de ramos longínquos, como uma pequena formiga que sonha alcançar a folha mais extrema caminhando pelos galhos sem fim.

É tranquilizador e terno estender-me sobre meu monte, de lá o mundo parece paradoxalmente maior e menor, simples e complexo, longo e curto, além de redondo ou plano, contudo, não me darei o prazer da liberdade e descanso, pois, acima de tudo, sou tomado pela dúvida da existência de montes maiores e a vontade de alcançá-los. Talvez, de montes em montes, eu consiga alcançar as nuvens, e de nuvens em nuvens, as estrelas, e em seguida... bem, espero que me sobre fôlego para contar em outro escrito sobre o além do além.