CAPÍTULO 2 - A DOR
Então o limiar, a quase intransponível barreira dos porquês, a destrutiva permanência do medo, o insalutífero dissabor da mente, a visão desgraçada, o infortúnio cíclico... A dor, e sua busca por morada.
A infinita corda que amarra todos os mundos nos enlaça silenciosamente, roça seus fios entrelaçados por nossos pescoços, suave e calmamente vai premendo nossa existência até o ponto de asfixia, até a linha ao norte: longe demais para o retorno, perto demais para a despedida.
Por profundos densos vales minha alma tem caminhado, como a de todos nós, sem absolutamente nada de papável para se agarrar, irrestritamente em obsoleta cadência, numa espécie de ciência mistificada: esperança, como uma sinfonia quântica, como um cosmos à deriva, permeando céus em pleno desalinho, em ordenada entropia.
Então o Criador criou a dor!
Cantos soprados invadem janelas trancadas, água de chuva eterna permeia os campos abandonados, que estranha beleza é essa, que adorna olhos desobrigados? Que tamanho pode ter o sofrimento? Quantas mortes até a vida? Renascemos dia após dia até que a completude nos seja nós?
A memória me é uma fúnebre melodia, ressoando em dias como na maioria dos dias, ela é a tímida dançarina de um salão vazio e frio, tem movimentos capazes de transfigurar em lindos voos, e alguns ríspidos acenos, às vezes quase invisíveis, indivisíveis gestos que estremecem estruturas em que tinha a crença de serem inabaláveis. Um cheiro, uma tocadela, música, cor, sol, chuva, penumbra, rio, oceano, universo, vazio... basta apenas que o rudimentar e orgânico algoritmo lhe forneça o encontro entre o que quer ser e o que deixou de ser, entre a esperança, que brilha como um farol ao longe, e a dolorosa experiência que suprimimos.