E SE... AS PRESENÇAS DO PASSADO.

CAPÍTULO 01 – ORDINARY LIFE-Bluebell

E se...?

E se Samantha tivesse existido por mais tempo em minha vida?

E...

Se...?

Arline não tivesse me dado aquele tapa?

E se eu não tivesse merecido aquele tapa?

E se eu tivesse dito á Laís que a observava todos os dias na aula e que sentia falta e me preocupava quando faltava?

E se a garota bonita que dançou comigo na quadrilha tivesse gostado de mim?

Cena 01 – Ônibus de excursão. Um amigo de classe sentado ao meu lado pede para sentar na janela. Ele estava a ponto de vomitar. O ônibus ainda estava parado. As janelas não abriam. Mudamos de lugar. Sua irmã pede parar trocar de lugar para cuidar do irmão. Eu troco e sento no lugar dela. Imaginei eu que, teria espaço o suficiente até o destino final, porém, uma aluna nova e que eu nunca soube da existência, senta a meu lado. Todos no ônibus olham para nós. Consigo ver o olhar de inveja, principalmente dos meninos. Ela era o ser humano mais hollywoodiano que eu havia visto até então. Loira, cabelos naturalmente lisos e longos. Olhos do azul do maior diamante que se possa imaginar.

Onde ela está agora?

Onde eu estaria se a tivesse encontrado depois?

Ontem eu vi Arline. Na feira. Está grávida. Fazia ao menos 15 anos que não a via. Eu a vi. Eu parei. Talvez ela tenha percebido os meus olhos arregalados. Talvez não. Ela não me reconheceria. E se... Reconhecesse? Nós nos esbarramos mais algumas vezes pela feira. Comprei um caldo. Nunca mais a verei...

E se...?

E se eu a tivesse interceptado antes daquele casal que o fez e se reconheceram, sorriram e a óbvia frase de “HÁ QUANTO TEMPO” logo surgiu. Eu e um copo de caldo de cana na mão... Comprando temperos. Ela, prestes a ser mãe. Talvez seja o primeiro bebê.

Roseli e Samantha. Todos diziam serem irmãs e por estar na mesma sala, que seriam gêmeas.

Roseli nunca mais se ouviu falar. Samantha eu vi no ônibus. Ela sentou a meu lado sem lembrar-se de mim ou ao menos notar a minha presença a seu lado, enquanto ela conversava com um amigo. É estranho como, mesmo que com breves mudanças, nós sempre reconhecemos o passado. Ela não havia mudado muito, mas percebia-se uma leve melhora em tudo. Não havia muito que melhorar. Eu, com fone nos ouvidos, abaixo o volume e ouço sua voz e surpreendentemente não me lembrei de como era. Ela nunca foi de falar muito em sala de aula mesmo, então eu nunca tive um registro fixo de sua voz.

O ponto onde eu desceria logo se aproximava e nada de ambos parecerem descer antes de mim. Não tinha jeito, eu teria que falar, teria que interferir no passado, presente e talvez futuro daquela pessoa.

Fiz todo o procedimento de quem quer avisar que logo vai ter eu interromper a conversa. Arrumei minha bolsa, mexi as pernas, segurei firme e logo perceberam movendo as pernas para o lado. Passei com a dificuldade que um ônibus em movimento permite e um impulso, um conforto e paz me fez agradecer. Aguardei, de frente para a porta central que o ônibus parasse, mas de canto de olho eu percebi que ambos me encaravam enquanto falavam sobre algo. Desci e numa última e rápida olhada à janela onde antes eu estava, pude ver que ela erguia a cabeça olhando em minha direção enquanto o veículo sumia na esquina.

“OBRIGADO, SAMANTHA”. Aquela foi, instintivamente, como eu a agradeci pela gentileza de me deixar passar.

Talvez ela tenha me esquecido dali cinco minutos ou talvez até hoje se pergunte quem era o estranho que ficou calado a seu lado por uma viagem inteira, mas que a conhecia a ponto de dizer seu nome com tanta certeza. Nunca mais nos vimos. E se Samantha tivesse existido por mais tempo em minha vida?

Às vezes, me pergunto se essas pessoas que nunca mais vi, foi por pura ação do que o destino devia ser afinal ou se foi porque talvez elas já estejam mortas.

Entrecidades Kintsugi
Enviado por Entrecidades Kintsugi em 20/04/2018
Reeditado em 06/05/2018
Código do texto: T6313734
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.