"ESCRITORES, PENSADORES & DISCOS VOADORES" - 27 de março de 2018 - A Morte de Ayrton Senna

27 de março de 2018, 05h06min

Chovia muito, nossa, chovia tanto! Eu queria andar de bicicleta... eu nunca soube, eu não conseguia andar direito de bicicleta..., e não ando muito bem até hoje. De modo que eu tinha que me aproximar do meio fio pra diminuir a velocidade e parar, porque só assim conseguiria descer sem me esborrachar no chão. Eu me preocupava com ela (a bike), não queria que caísse no asfalto..., eu amava demais aquela bicicletinha branca da Caloi, com câmbios Shimanu (que até hoje não faço ideia do que seja.), e seis marchas... SEIS marchas! Que, pensamento bem... não tinham tanta utilidade.

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Era inverno... Meu pai era o único ser humano do planeta que gostava de ficar na casa de praia no inverno... a outra pessoa sou eu... hoje em dia. Eu curtia ficar sozinho desde pequeno, mas naquele dia não estava sendo bom, porque eu tinha resolvido pensar... Eu resolvi pensar profundamente, o que era perigoso e confuso, pois eu não sabia pensar direito. Estava com um palito matando formigas e eu estava aborrecido... muitíssimo aborrecido... "Será que Deus EXISTE mesmo?"... me perguntava. Eu nunca tinha pensado sobre Deus..., portanto, digamos que esse dia foi uma espécie de marco.

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05h12min

No dia seguinte eu soube que meu amigo Breno estava por lá. Éramos grandes amigos, daquele jeito crianção de ser amigo... e, bem... a casa dele TINHA PISCINA e a minha não. (Porque meu pai ainda não tinha entendido o papel lucrativo de uma piscina na casa de uma pessoa). Eu já estava me posicionando na Caloi, quando caiu um toró, que até hoje pra mim foi a maior tempestade que vi na vida. E então eu fiquei aborrecido de novo. Pedi à Deus que interrompesse a chuva, por algumas horas, apenas o tempo de sair e chegar na casa de Breno. Ele não me atendeu (não Breno... Deus.) e então eu percebi, - também pela primeira vez - que as coisas não funcionavam assim... Deus fazia as coisas quando ELE achava melhor e então eu fiquei muito aborrecido, pela terceira vez... o dia não estava nada bom . A chuva deu uma trégua e eu já estava saindo quando minha mãe chegou e me disse pra ficar. Me proibiu de sair de casa, porque eu estava ficando gripado. E então eu fiz o que todo bom filho tem que fazer nessas horas. Comecei a chorar e compartilhar a minha ira com todo mundo da casa.

Foi quando a notícia passou no jornal e todos ficaram em silencio... Ayrton Senna tinha morrido.

Houve um engasgue no ar. Os olhos não conseguiam abandonar a tela da TV. Por alguns minutos eu olhei a sala de estar e tudo parecia um filme pausado.

E então eu voltei a chorar... e dessa vez eu tinha a desculpa perfeita pra chorar à vontade sem me chamarem de manhoso... ou de chato. Eu podia dizer que estava triste porque perdera um herói. Mas a verdade MESMO é que eu só assistia sempre as últimas voltas, quando já sabia que não tinha a menor possibilidade do Ayrton perder. Nunca tive a menor paciência com aquilo..., e nem com futebol, volei... nada, nada, nada... tudo o que importava pra mim era a minha Bicicleta Caloi...

e a piscina do meu amigo Breno.