O que é comoção e para que serve? 

Sobre a execução de a Vereadora Marielle Franco em 14/03/2018 na cidade do Rio de Janeiro

Um sentimento de choque, tristeza que envolve também revolta e indignação. 

Afirmam alguns sentir um certo incômodo com aquilo que chamam de " exagerada comoção" com um único crime em detrimento de tantos outros. 

Bem... Será que vocês sentiram todo este incômodo quando a Marielle Franco, a vereadora carioca brutalmente executada juntamente com o motorista na noite do dia 14 de março, estava denunciando e lutando por justiça em função das incontáveis execuções de anônimos, policiais e civis na cidade do Rio de Janeiro? 

Ela, Marielle, assim como tantos outros que lutam em defesa dos direitos humanos, fazem exatamente isso todos os dias, dão nomes, rostos e contam as histórias das centenas, milhares de anônimos que morrem assassinados todos os dias nessa cidade dominada por uma guerra que é fruto do descaso de sucessivos governos e da corrupção política. O trabalho desenvolvido por aqueles que acreditam nas causas que Marielle defendia é justamente fiscalizar e cobrar do poder público ações efetivas que protejam a vida das pessoas e sim, isso se trata de uma ação política.

Vocês, que se sentem surpresos com tanta comoção diante de um assassinato apenas, quando todos sabemos que ocorrem tantos e tantos outros todos os dias, sabem quem foi Matheus Mello? A Marielle Franco sabia. Ela não só se comoveu com a execução deste jovem de 23 anos que foi morto pela polícia, sem nenhuma justificativa, por volta das 22 horas do dia 12 de março ao deixar a noiva em casa após saírem de um culto evangélico na favela do Jacarezinho, ela pedia esclarecimentos, lutava por justiça e o fim do extermínio de pessoas inocentes. E o subtenente da PM Claudio de Queiroz morto em um tiroteio ao reagir a um assalto em São João de Meriti em 2017, vocês sabiam quem era? A vereadora Marielle soube e providenciou todo o suporte necessário aos familiares.

Será que vocês sabem quem foram as 632 vítimas de balas de perdida em 2017,fruto das ações de combate ao tráfico só na cidade do Rio de janeiro? Creio que não, eu também não conheço todos estes casos, soube de uma ou outra notícia pontuada pela mídia e isso me comove, assim como acredito que vocês se comovam, principalmente quando esta tragédia envolva crianças. Mas a Marielle sabia de todas estas histórias, ela sabia também que em fevereiro deste ano já se somam mais 39 vítimas de balas perdidas no Rio, ela sabia, se comovia e trabalhava para esclarecer e promover o fim desta violência desmedida que todos nós não suportamos mais.

A iniciativa de alguns em minimizar o assassinato da vereadora Marielle Franco promovendo comparações com os igualmente infelizes e inúmeros assassinatos que presenciamos todos os dias e que eram a causa maior de sua luta e atuação política neste estado de guerra em que vive a cidade do Rio de Janeiro, não passa de pura necessidade de afirmação de um pensamento egoísta e desumano que pretende justificar a sua indignação rasa e comoção seletiva mantendo-se na superfície das questões. E há ainda os que estão lotando as páginas de redes sociais com comentários do tipo: “A esquerda está se aproveitando da comoção pública e internacional com este crime para fazer política.” Como não há uma clara ralação entre o trabalho desenvolvido por Marielle Franco e outras pessoas ligadas a defesa dos direitos humanos enquanto vereadora e figura pública ao longo de sua vida na política e que foi a causa de sua execução bárbara e precoce e a política de direitos humanos? O que vocês querem provar com este discurso, além de sua incansável capacidade de tecer críticas rasas mantendo-se na superfície das questões sérias e que envolvem não só a cidadania mas as vidas de seres humanos? Continuarão negando a urgência de se desenvolver políticas de defesa aos direitos humanos?

Não se trata de comoção exagerada ou “mimimi” esquerdista com a finalidade de fazer politicagem em cima de um fato . Trata-se da luta de uma mulher cidadã que foi executada justamente por não se calar e desempenhar com vigor o papel de representante eleita pelo povo na defesa de seus direitos fundamentais. Se alguns de vocês acreditam que não há mais nada a ser dito sobre isso, calem-se, mas não queiram calar as vozes dos que clamam por justiça.

Renata Vasconcelos

Renata Vasconcelos
Enviado por Renata Vasconcelos em 16/03/2018
Reeditado em 16/03/2018
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