Rio de Janeiro, 01 de março de 2018

Quatrocentos e quantos?

Diz que são quatrocentos e cinquenta e três anos de existência e que hoje novamente vai chover na mais famosa sucursal do inferno. Faça trinta e oito, quarenta, ou quarenta e dois graus, o que tem aquecido e tornado insuportável o clima nessa cidade espetaculosa são a tristeza e o medo. Nos olhos dos cariocas hoje, está refletida a frieza dos que se habituaram a um estado de total abandono.

Pelos caminhos onde antes corriam as poéticas águas de março fechando o verão de Tom, hoje escorrem os sonhos e o futuro do carioca, manchados de lama e de sangue.

A vida? Ela persiste apesar de tudo, ameaçada, assaltada, escandalizada e mais perdida do que as balas que encontram destino certo alvejando os inocentes neste cenário onde as tão propagandeadas belezas naturais já não estarrecem mais que as manchetes dos jornais:

Descaso político, guerra, sobreviventes resistem... Deslizamento de terra, infância ceifada; Corrupção, arrastão, escaparam de um assalto, caiu a marquise e explodiu o bueiro... vidas persistem, cariocas insistem, sambam e festejam os gols nos estádios como quem alcançou um céu inatingível.

O que lhes resta, permanecerem passivos ainda à espera da divina redenção?

Enquanto uns comemoram uma intervenção nada divina, outros veem amplificadas as chances de perder sua frágil ilusão de liberdade, sabem do custo que a new empreitada militar/política/eleitoreira planejada nas coxas, mais uma das tantas que já vimos, representa às suas já tão massacradas sobrevidas.

E ele, o Cristo, impávido monumento, continua lá completando a fotografia de cartão postal internacionalmente aclamada aos quatro ventos. E quem de orar ora, quem é de rezar reza, quem é de mandinga tenta...

E eu que não sou de nada na fé, sigo inquieta na infeliz certeza deste desabafo, tentando encontrar nas pessoas alguma esperança que faça voltar a sorrir de verdade esta cidade, sem as poses ensaiadas para as fotos exportadas aos gringos. Às vezes, no olhar de uma criança ou na generosidade de um gesto comum dos meus irmãos, encontro tímidas saídas.

Choro e hoje sou só o lamento de uma carioca.

Renata Vasconcelos

Renata Vasconcelos
Enviado por Renata Vasconcelos em 01/03/2018
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