All star velho e sujo

Me deixe com meu all star velho e sujo. Meus sapatos sujos costumam lembrar que minha alma está limpa ou se limpando de toda essa mesmice de estar aqui, parada num espaço sem tempo.

Por aquelas ruas andei, aquela outra viajei. Com meu all star que nem sempre foi velho, e minha alma que nem sempre foi jovem.

Com meu all star rasgado, rasguei o verbo em cada esquina, em prosa e poesia, eu cantei a liberdade.

Corri contra o vento ao encontro de alguém ou ninguém. Subi numa árvore centenária, corri na chuva de janeiro e pulei o carnaval com meu all star velho e sujo.

Quando recebi aquele all star do meu pai, não imaginei que ele duraria mais que ele. Só desejei que meu pai virasse aquele all star, velho, embrulhado de presente, de volta para mim.

Corri da escola pra casa, sonhando com o almoço que vovó preparava. Tropecei nos cadarços do meu all star novo e caí. Ai!Vovó cuidou do meu machucado e voltei a correr com meu all star novo.

Queria que vovó cuidasse dos meus machucados agora, porque voltei a cair. Tropecei na saudade do meu coração, e caí nas lembranças que aquele all star não tão novo me trazia.

Corri para os braços da mamãe num dia chuvoso, e nele me encaixei. Ela me protegeu daquela tempestade e me acalmou. Cantou uma canção de ninar e eu dormi após tirar meu all star velho.

Mamãe, queria que você fosse esse all star velho que me aperta os pés. Queria que você visse como estou agora, ou que me ajudasse quando assim não estou. Me prenda em teus braços como esse all star se prende em meus pés, para que eu possa te sentir só mais uma vez.

A verdade é que se esse all star falasse, diria coisas que nem eu sei. A resposta daquela questão que poderia ter me levado para outro lugar agora, para outras pessoas, para outra eu.

Contaria das viagens que fiz e das que vi chegar ao fim. Talvez me ajudasse a ver o que ganhei e me fizesse esquecer o que perdi.

Se esse all star falasse... eu queria que falasse. Queria que esse all star revelasse a felicidade que trago em algum lugar dentro de mim. E me lembrasse que ainda estou viajando, nesse espaço sem tempo de tempos contados, com meu all star velho e sujo.

maria paula da silva lima
Enviado por maria paula da silva lima em 23/02/2018
Código do texto: T6261665
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