MONÓLOGO PRIMEIRO - DO ÓBITO
Monólogo primeiro – óbito.
- Meu amigo, tu estás aqui como eu.
- Certamente, todos nós estamos aqui, até, que morramos e viremos pó.
- Isto é certo que o pó é o estado primeiro de todas as coisas, e o último infortúnio de nossa existência.
- Todavia, eu não aceito a partida da vida, nem tão pouco esta desprezível despedida.
- Dizem que há honra na morte. Que os homens morrem com honra.
- Meu amigo, eu mesmo sei que nela nada existe; só existe nesta desgraça necrose e ossos secos abandonados pelos seus, e que despois de tudo, nada fica, exceto, uma lápide esquecida num cemitério velho.
- Será a morte uma desventura necessária? Há sentido em morrer?
- Meu peito está cheio de escarnio contra ti meu amigo por ter feito tão demente pergunta. A morte não tem sentido algum. Está nela a fuga de todos os sentidos, eles evaporam como a água da carne exposta ao sol.
- Mas, a morte é lucro, é ganho para muitos que ficam, e nada para os que se foram. A morte é mídia, é comercio, é chantagem para as almas, é controle do estado, do estado que caminha sobre esqueletos lânguidos e podres.
- E porque o suicida deseja tanto esta moça esquisita?
- Desejar morrer é seguir o dito das coisas. Somos educados a morrer todos os dias. Fomos ensinados que a morte é a glória dos homens; é a coroação nos céus.
- Meu coração sente náuseas de ti pobre homem que pensas em viver eternamente. Tua mente é uma minhoca a cavar uma cova.
- Tu não me respondestes a pergunta. Há sentido no suicida?
- Não, porém, se levares a sério o tormento do mundo quando os sentidos estão pelos ditos e falas perturbados e velozes como uma bala perdida, morrer tem o sentido da hora; uma cobra que pica escondida num chumaço de algodão.
- Ah, sim. Dizes tu mesmo que tua morte faz sentido em algum sentido da mente obscura.
- Com certeza. Entretanto, a vida foge da mesma, pois toda vida não pensa na morte.
- Mas, porque a morte é tão temida e evitada se somos todos vida que fale, que a falência do corpo é uma previsão certa.
- Certamente, você ainda não me entendeu.
- Como assim? Com quem falo eu se não vejo mais ninguém aqui.
- A palavra aqui fala do óbito, do espaço e não do tempo. O óbito está permanentemente aqui, mas, é a vida que o denúncia.
- Nada entendi, parece que viverei toda uma vida para entender a morte.
- Com certeza que muitas vidas serão necessárias para que entendas que morrer não é necessário. É a vida que dá sentido a todos os óbitos.
- Sua pessoa fala sozinho como uma alma penada neste mundo sem tempo.
- Quem é você?
- O lugar, o sentido, e a vida são as condições da morte, e além disso nada há.
- Assim, dizes tu para ti mesmo como um louco solitário a cogitar sobre o nada.
- Sim, senhor. Faz sentido...