DICOTOMIAS INCONCILIÁVEIS
Num mundo onde subsiste uma humanidade decaída, num mundo onde coexistem e coabitam a vida e a morte, certamente os paraísos e os infernos existenciais se mesclam e se entrelaçam, gerando um conflito permanente, onde os momentos de satisfação, de paz e de alívio se tornam incrivelmente curtos e fugazes. De fato, num mundo onde prevalece os conflitos individuais e coletivos, há sempre uma cisão intíma e um enfraquecimento que atinge as almas; um enfraquecimento que permeia o ser de todos os homens. As sociedades, tal como as conhecemos (com suas leis, com suas doutrinas e com todas as suas misérias e injustiças), são as mais evidentes manifestações de um contraste inconciliável, de modo que só há uma saída para o ser humano num planeta deteriorado pela corrupção e pelo pecado: o caminho da luz, resplandecendo toda a escuridão de nossa alma; ou melhor, o caminho para uma vida que vive em perene santidade. Pois vivemos infelizmente num universo cheio de dicotomias, num universo impregnado de luz e de trevas, de bem e de mal, de amor e de ódio, de ilusão e de desilusão, de verdade e de falsidade, de santidade e de perversidade. As contradições, desde a queda do primeiro homem, sempre fizeram parte da existência dos homens e de tantas sociedades com toda a parafernália de seus costumes, leis, regras, histórias, filosofias, culturas e religiões. Em vista de tantos contrastes insolúveis é possível que ainda gritemos a nossa revolta e as nossas insatisfações quando descobrimos que nosso ser também é repleto de uma constelação de antinomias, contradições, paradoxos, dissonâncias, cisões, esquisitices e incongruências? É possível que critiquemos o mundo a nossa volta quando descobrimos que também somos passíveis das mesmas críticas? Penso que é sempre preferível o silêncio absoluto do que observarmos com arrogância e prepotência as contradições que os nossos semelhantes estão cheios e abarrotados. Talvez quem sabe viveríamos mais em paz, quem sabe viveríamos num estado de perfeita serenidade e santidade, apenas atentando para o que somos e para o que fazemos (caminhando na direção da verdade e da luz, tal como nos ensinou os evangelhos), em vez de reprovarmos as condutas inadequadas daqueles que se assemelham a nós mesmos! A maior aventura que podemos fazer na vida é desbravarmos o nosso ser, desafiando corajosa e de maneira honesta tudo aquilo que nos contradiz, nos falsifica e nos torna exilados da verdade de quem realmente somos.