Sou um destino
Sou uma espécie em degeneração, um experimento que deu errado, um desses que nasceu sem destino pra ser um destino; instável do abrir dos olhos de manhã à noite, orgulhosamente triste, demasiadamente intenso na alegria, talvez por isso, em suma, sempre girando de lá para cá como um pêndulo entre vida e morte. Mas há uma força que ascende nessa montanha-russa, um orgulho que resiste aos extremos, aquele sentimento da fraqueza que povoa a alma com a falência que quer levar à "curva da estrada" como diz Pessoa, para não ser tão lúgubre.
Sou uma conseqüência ambulante de um sistema que perdeu em valor, pau que nasceu torto, refutação em carne e osso de um mundo que nunca existiu.
A minha volta vejo muitos mímicos me apontando os dedos - "você devia..." - são bastardos de Deus que sem nada mais para se espelharem, espelharam-se eles próprio no mundo. Mas já basta! Melhor nem continuar. É preciso colocar botas para se caminhar em terras moralistas, e eu só ando descalço...
O experimento de adestramento se voltou para a própria experimentação, minha veracidade científica fez do corpo meu laboratório de pesquisa, me tornei meu próprio psicólogo colocando-me à experimentação, aos limites, riscos, rompendo tabus interiorizados, até que as forças que me guiavam entre o ruim e bom, bem e mal, se mostroram muitas vezes contrárias ao que era compatível com meu corpo, abrindo novos horizontes de terras em mim ainda não conhecidas. Foi quando achei o proíbido, a maçã, o avesso do entendimento vigente, os graus, as perspectivas - Eu mesmo. Ah, e como gostei dessa maçã, desse poder de absolvição, como me abriu os olhos para maravilhas em muitas coisas que até hoje eram abominadas, e como estas coisas mesmas se mostraram necessárias e uma lei a mais! Eram... pois sou a absolvição e o inocentamento encarnado dessas coisas que no antigo mundo diziam ser contrárias ao bem.
Para cada coisa há de existir alguém para sustentar sua necessidade, tudo tem um grau de necessidade, principalmente o mal...