O Meu Coração é um Ninho de Rato sem Valor Sentimental
Que maldita mulher que eu sou. Que maldita mulher. Vou derramando as coisas pelo caminho, como se fosse um caminhão tombado no canto da pista. Divina, meu amor, divina. Nessa altura do campeonato eu só podia ser divina. De santa à puta. De todas as facetas multifacetadas que eu já pratiquei nas línguas dos homens. Louca, eternamente louca. Gritava os amores nas esquinas como uma bêbada. De fato era, tão bêbada quanto louca. O seu maldito amor foi a faca de dois gumes que me atravessou o peito. O urso que me comeu a carne. O cão que me roeu os ossos. Os vermes que me furaram a pele e a terra que me levou os cabelos. Sou hoje como uma estranha para o mundo. Todas as bocas estão fechadas com as palavras que saem dos meus ouvidos. Todos os ouvidos estão surdos com a morte que sai pela minha boca quando levanto na manhã de um sábado, carrancuda e solto o primeiro mijo quente no vaso. Os homens estão todos mortos debaixo do chão. E a morte cospe em nossos olhos a verdade que nos recusamos ver. Sento no parapeito da janela enquanto fumo um cigarro. Sinto que meus lábios são folhas secas escondidas dentro de morangos doces. E meu corpo é um fio de linho dentro de carne fresca e doente. Qual o destino das mulheres doentes, afinal? Repousarem na cama até escorregarem para o fundo do poço. O quinto dos infernos que é meu por direito! De direitos eu me invento muitos e me agrado em tê-los. O meu coração é um ninho de rato sem nenhum valor sentimental.